Aécio Neves enxerga no ensaio de candidatura de Luciano Huck a “falência da política”. É mais um álibi de uma figura incapaz de admitir suas responsabilidades. O espectro de Huck emerge da falência dos políticos —especialmente do PSDB.
A leitura superficial das mais recentes pesquisas de opinião indica a probabilidade de um segundo turno entre Lula (algo em torno de 35%) e Jair Bolsonaro (perto dos 15%). Seria o cenário dos sonhos de Lula: nada mais perfeito que concorrer com um ultranacionalista primitivo, autoritário, cercado por um cortejo sombrio de policiais dos costumes.
A hipótese não deve ser descartada, mas colide com a principal informação das sondagens: cerca de 50% do eleitorado rejeita as duas candidaturas salvacionistas, que são as únicas amplamente conhecidas. É como se metade dos cidadãos estivesse pedindo uma alternativa moderada, limpa e reformista.
Em tempos normais, o PSDB seria o estuário dessas expectativas. Contudo, sob o comando de Aécio, os tucanos afundaram no lodo.
Primeiro, em nome do impeachment, queimaram os princípios mais básicos no altar sacrificial de Eduardo Cunha. Depois, hábito antigo, engalfinharam-se em crônicas disputas internas entre caciques que enxergam na Presidência um espólio de guerra. Finalmente, uma ala incorrigível, mas talvez majoritária, perfilou-se na defesa de Aécio, o líder que pede favores aos bandoleiros da JBS. “Falência da política” ou falência de Aécio?
Não é só Aécio, como atestam os movimentos do centro político na direção de Huck. Celebridade do mundo do entretenimento, Huck não oferece nem o esboço de um discurso político coerente, mas exibe sua possível candidaturacomo uma dádiva misericordiosa ao Brasil.
Os partidos que investem nessa postulação, notadamente o PPS, apostam no clássico golpe do outsider.
Geralmente, os “salvadores da pátria” situam-se na esquerda ou na direita. Por aqui, inventamos o salvacionismo centrista. O nome disso não é “falência da política”, mas falência do centro político, que renuncia a fazer política, entregando-se a uma oportunista estratégia de marketing.
“Não temos um De Gaulle —alguém capaz de dar um sentimento de que estamos juntos”, constatou FHC, referindo-se ao colapso da Quarta República francesa. Vivemos um colapso similar, o da Nova República proclamada em 1985, mas não precisamos de um De Gaulle —e muito menos de um Huck. Um périplo no eixo Paris-Buenos Aires sugere que a política tem os meios para solucionar os impasses de uma democracia.
Na França, um rumo de reformas emergiu da articulação conduzida por Emmanuel Macron, um líder inteligente e ousado, mas não um sucedâneo carismático de De Gaulle. Macron operou uma cirurgia no sistema partidário, envolvendo a sociedade civil na criação de um novo partido de centro. Derrotou os nacionalistas de Le Pen, resgatando a França (e a União Europeia) da beira de um precipício. Nas campanhas das presidenciais e das legislativas, escolheu dizer a verdade, oferecendo um receituário de amargas mudanças na legislação trabalhista e no sistema previdenciário. Nada garante seu sucesso, mas o exemplo da Argentina indica que o fracasso não é inevitável.
Mauricio Macri, eleito em 2015 por escassa margem, acaba de impor uma dura derrota à máquina populista do kirchnerismo, vencendo as legislativas. Isso, na hora de uma retomada inicial do crescimento, após um ajuste que envolveu retração econômica, repique inflacionário, redução da renda e do emprego. O sucesso no teste eleitoral prova que Macri pode não apenas se tornar o primeiro presidente não-peronista a concluir seu mandato desde a redemocratização mas também conquistar um segundo mandato.
“Falência da política”? Não: falência do nosso centro político, que prefere a prestidigitação à política. Fora do caldeirão do Huck, há tempo para corrigir.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18/11/2017
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