A aprovação de um reajuste de até 79% para os servidores do Judiciário mostra que algumas lideranças do Congresso não estão à altura de seu novo protagonismo
Um aspecto positivo dos tempos turbulentos que o Brasil está vivendo é o novo protagonismo político do Poder Legislativo. As lideranças do Congresso Nacional estão no comando da agenda do país, como mostra a sequência de projetos de novas leis de grande repercussão aprovadas recentemente no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Essas iniciativas têm brotado no vácuo deixado pelo governo Dilma Rousseff, que se desmilinguiu numa rapidez fulgurante e hoje reúne os índices de aprovação mais baixos desde o governo José Sarney, em 1989. A despeito das circunstâncias, um Legislativo com vigor é saudável para um funcionamento mais equilibrado do sistema democrático no país. Mesmo depois da Constituição de 1988, o Executivo, graças a instrumentos como as medidas provisórias, continuou com amplos poderes para impor a agenda política e domesticar o Parlamento.
É pena que as lideranças parlamentares têm dado exemplos de que não estão sabendo lidar com esse novo protagonismo e as responsabilidades que advêm com mais poderes. Como escreveu o ex-ministro Delfim Netto, “o populismo rasteiro e a vulgata do esquerdismo generoso, mas desinformado, assumiram a vanguarda do atraso”. Os parlamentares já tinham insultado o bom-senso ao aprovar regras mais generosas para as aposentadorias e indexar todos os benefícios da Previdência à correção do salário mínimo, em meio a um ajuste fiscal que tenta recolocar as contas públicas no prumo, depois das pedaladas de Dilma I. Há duas semanas, os senadores deram nova mostra de descompromisso ao aprovar projeto que concede reajustes salariais entre 53% e 79% para servidores do Poder Judiciário. Se mantida, a medida significará gastos públicos adicionais, em quatro anos, de R$ 25,7 bilhões.
Como disse o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, um reajuste nessa proporção é “incompatível com a atual situação econômica do Brasil”, “insustentável do ponto de vista fiscal” e “injusto do ponto de vista social”, num momento em que “a sociedade brasileira está passando por ajustes, várias empresas estão passando por dificuldades e o desemprego sobe”. A despeito disso, mesmo o PT liberou sua bancada para votar a favor do projeto, como fizeram os senadores Lindbergh Farias (RJ), Wálter Pinheiro (BA) e Paulo Paim (RS). Preferiram jogar para as galerias do Senado, repletas de servidores do Judiciário, e deixar o ônus do veto da medida para o governo, que encara um deficit nominal de 7,9% do PIB nas suas contas e corre o risco da perda de grau de investimento para os títulos da dívida pública.
Tão preocupante quanto o alheamento dos senadores com relação ao combalido estado das finanças públicas é a atitude da cúpula do Judiciário, que continua a se comportar como se a crise econômica não lhe dissesse respeito. A aprovação do reajuste foi defendida pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski. Em maio, Lewandowski se manifestou a favor da concessão do reajuste com a liberalidade de quem gasta o dinheiro alheio: “Nós precisamos sempre (de reajuste). Quem é que não precisa pagar o supermercado, já que houve um aumento do preço dos produtos?”. A prodigalidade com a distribuição de benefícios para seus membros tem sido uma característica do Poder Judiciário no Brasil, apesar das exceções. Os juízes estaduais são os funcionários públicos mais bem pagos do país e ganham R$ 41.802, em média, como mostrou reportagem de “Época”. Essas remunerações, acima do teto constitucional, se devem à soma dos vencimentos básicos a incontáveis indenizações e verbas extras, aprovadas generosamente pelo próprio Judiciário a pretexto de quase tudo – auxílios para moradia, alimentação, transporte, saúde, compra de livros.
A nova proposta de Lei Orgânica da Magistratura (Loman) – que aguarda apreciação do Supremo para ser enviada ao Congresso –, em lugar de extinguir esses privilégios anacrônicos, os amplia. Não só mantém os da lei vigente, de 1979, como cria um apanhado de todas as indenizações existentes nos Estados, no total de 20, e passa a garanti-las a todos os magistrados do país, sob o pretexto da “uniformização”. Mantém os polêmicos dois meses de férias e institui o recesso forense de um mês inteiro. Na proposta, há outras benesses incompatíveis com o Brasil de 2015, como o recebimento de um salário extra por ocasião de cada uma das férias – o trabalhador comum recebe um terço.
Em momentos de crise, os Três Poderes deveriam ter uma agenda pactuada que colocasse as questões de Estado acima das disputas partidárias e dos interesses corporativos. Mas parece que estão nos faltando lideranças à altura da gravidade do momento.
Fonte: Época, 12/7/2015
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