Marcos Lisboa, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda na gestão Palocci (governo Lula), foi uma das poucas vozes dissonantes durante o período de euforia econômica pelo qual passou o Brasil, entre 2005 e 2010. Lisboa “teimava” em apontar os riscos que um modelo baseado em créditos subsidiados e estímulo ao consumo poderia trazer ao futuro do país. Era visto como um chato – o camarada que “vai à festa falar de problemas”. Hoje, na presidência da escola de negócios Insper, ele continua questionando a política econômica. Mas, curiosamente, está um pouco mais otimista, mesmo com “a festa” terminada e o Brasil na ressaca, vivendo uma das piores crises políticas da história. “O debate, ao menos, está mais aberto”, justifica.
Época Negócios: É possível reverter um cenário de recessão em meio a uma perversa crise política e institucional do país?
Marcos Lisboa: A crise é imensa e longa, causada por uma série de diagnósticos errados sobre a nossa economia e agravada por um cenário político difícil. Paradoxalmente, no entanto, eu estou hoje um pouco menos pessimista do que estava há um ano. Os problemas de nossa economia são os mesmos de um ano atrás, mas o país discute hoje esse assunto com mais clareza. Uma parte das dificuldades que vivemos é que durante muito tempo nós nos recusamos a enfrentar esses problemas. Fomos procrastinando, negamos os problemas e isso virou essa crise imensa. Se tivéssemos agido antes, há cinco anos, o custo teria sido muito menor.
Época Negócios: Quais foram esses diagnósticos errados?
Marcos Lisboa: Um deles propunha uma saída fácil para um problema difícil. A ideia era que, nos momentos de inflação elevada, não se podia fazer ajuste porque isso ia gerar desemprego. “Vamos optar pelo crescimento”, diziam, como se alguém fosse contra o crescimento. Mas essa opção entre crescer mais ou gerar mais desemprego é falsa. O dilema verdadeiro é “vou combater a inflação hoje, mesmo que com um pouco menos de crescimento, ou deixar isso para amanhã, com um custo muito maior?”. Ou seja, quanto de emprego estou disposto a abrir mão hoje para ter mais emprego amanhã? Durante toda a primeira metade desta década o Brasil se recusou a enfrentar a inflação. Ao invés de fazer esse combate como o mundo inteiro faz, reduzindo um pouco a atividade econômica, resolvemos ir por um caminho diferente. Podíamos subir um pouco os juros, mas optamos por segurar os preços da gasolina, fazer intervenção no setor elétrico, aceitar um pouco mais de inflação. Resultado: a inflação dos preços livres foi a 15%, o que machuca as famílias de baixa renda. Esses artificialismos puniram a economia. O Brasil ficou mais pobre e vai ter uma perda social grande por adotar essa estratégia populista de não enfrentar o problema.
Época Negócios: Talvez tenha tentado enfrentar, mas com o remédio errado…
Marcos Lisboa: Por exemplo, a tentativa de emplacar a chamada Nova Matriz Econômica. Refiro-me àquele discurso de que quando há uma crise lá fora é preciso proteger a produção doméstica com uma série de medidas tarifárias, com benefícios para alguns setores selecionados, como créditos subsidiados e desonerações. Com isso a gente iria estimular o investimento, o consumo, e a economia iria crescer mais. O governo, portanto, usaria seus recursos para gerar mais crescimento. Deu errado. Nos últimos cinco anos, o Brasil teve um desempenho bem pior que o da maioria dos países. O país, que cresceu 4% em média na década passada, está com uma recessão de 3%. Essa queda é culpa de nossas escolhas econômicas.
Época Negócios: Corremos o risco de perder as conquistas sociais da última década?
Marcos Lisboa: Esse é o temor. A leviandade do debate eleitoral e a negação dos problemas nos trouxeram até aqui. Temos então um cenário de recessão de 3% esse ano e um desemprego que já bateu em 9% e vai continuar a crescer. Teremos um 2016 ainda pior do que 2015. Virá outra recessão e a renda vai cair mais. Eu temo, sim, pela perda das conquistas sociais.
Época Negócios: De onde vem, então, o seu otimismo? Ou, sendo mais exato, a sua sensação de “menos pessimismo”?
Marcos Lisboa: Da constatação de que o debate está se tornando mais aberto, mais transparente.
Época Negócios: Qual a avaliação que o senhor faz da equipe econômica?
Marcos Lisboa: Acho que eles erraram no diagnóstico. A meu ver, o problema fiscal do Brasil não é um eventual déficit em 2015. Déficit é algo que ocorre nos países, é parte do ciclo econômico, das oscilações normais. O problema real do Brasil é que os gastos públicos obrigatórios crescem acima do PIB. Essa trajetória precisa ser revista porque, do contrário, o país vai ter de aumentar impostos todos os anos. A principal agenda do país é de longo prazo: estabilizar esses gastos em proporção ao PIB.
Época Negócios: Por que esses gastos sobem tanto?
Marcos Lisboa: O Brasil conseguiu acabar com a correção monetária no setor privado, mas não no setor público. Vários gastos públicos são indexados: eles crescem quando a economia vai bem, mas não caem quando ela vai mal. Incluem áreas nobres, como saúde e educação, funcionalismo público, aposentadoria e política de salário mínimo. Outra parte do problema é que o país está envelhecendo. Nossa população idosa cresce 4% ao ano, enquanto a população que trabalha cresce 1%. Isso significa que nossa população trabalhadora vai começar a cair daqui a alguns anos e, no nosso regime, a população que trabalha paga pela população aposentada. Tudo isso foi agravado pela política do governo anterior, que expandiu os subsídios e contratou vários gastos adicionais, como os créditos subsidiados do BNDES. Agora, o dinheiro está escasso para tudo isso. Vários países usaram suas épocas de bonança para discutir esse ajuste. O Brasil se condenou a ficar mais pobre porque, irresponsavelmente, o discurso populista adiou esse debate.
Época Negócios: O senhor disse recentemente que os empresários tiveram uma parcela de culpa nessa crise. Qual foi essa parcela?
Marcos Lisboa: Desde o final da década passada havia forte apoio à retomada de uma agenda de proteção e estimulo à produção doméstica. Crédito produtivo com taxas subsidiadas, regras de conteúdo nacional, desonerações tributárias e proteção tarifária contra a concorrência externa são exemplos dessa agenda que contou com o aval de várias lideranças do setor produtivo. Acreditava-se que isso resultaria em crescimento na economia, estimularia o investimento e a geração de emprego. Não funcionou. Ocorreu o inverso do que eles esperavam: a taxa de crescimento declinou, assim como o investimento e a geração de emprego formal.
Época Negócios: Qual o futuro do país?
Marcos Lisboa: Temos grandes vantagens e, não à toa, estamos aqui apesar de tudo o que fizemos contra nós mesmos. Há, sim, um potencial de retomada do crescimento. Mas precisamos agir. Um dos pontos é resolver a complexidade tributária. Também precisamos retirar o protecionismo excessivo de alguns setores. A agenda protecionista prejudicou o Brasil. Se não fizermos as reformas necessárias, a recessão cíclica pode se transformar no começo de uma longa depressão.
Fonte: Época Negócios, 10/03/2016.
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