Para atingir um padrão mínimo de qualidade – garantindo ainda o pagamento do piso salarial para todos os professores – o governo federal terá de ampliar em até 3 vezes o gasto anual por aluno. Esse salto pode representar, como é o caso das crianças em creches, até R$ 6 mil a mais por estudante anualmente – valor que a União complementaria a municípios e Estados.
A creche é a etapa da educação que mais depende dessa complementação de recursos da União, segundo cálculos atualizados pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação para definir o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). O índice consta no Plano Nacional de Educação (PNE) e sua adoção é prevista para 2016 – apesar de ainda não haver definição sobre o assunto por parte do Ministério da Educação (MEC).
O CAQi indica o investimento necessário – e inicial – por estudante para que haja condições para a ampliação do número de vagas e para a melhoria da qualidade de educação em todo país. Entram na conta recursos para infraestrutura da escolas, materiais e equipamentos, além do salário dos professores – que responde pelo principal montante. O PNE ainda prevê que um CAQ (sem o “inicial”) seja adotado ao longo dos dez anos de validade do plano.
De acordo com o cálculo, para que uma criança em creche em tempo integral seja atendido com um mínimo de qualidades, esse atendimento deveria custar R$ 10 mil por ano – hoje, o valor mínimo de referência do Fundeb (sistema de transferência de recursos calculada por aluno) gira em torno de R$ 3,3 mil por ano. Essa diferença de R$ 6 mil é o que se espera de complementação da União.
O montante varia por etapa na educação e tipo de atendimento (mais informações nesta página). No ensino fundamental rural, por exemplo, o valor por aluno anual deveria dobrar – passando de R$ 2,9 mil para R$ 6,1 mil. “O que se observa é que as áreas que o Brasil têm pior desempenho e indicadores, como na creche, educação no campo e de quilombolas, são aquelas que o país precisa de mais recursos”, diz o coordenador da Campanha, Daniel Cara. “E esse valor ainda não contemplaria a equiparação do salários dos professores às demais carreiras, que é a meta 17 do PNE.”
Reforço– Quando o CAQi for implementado, a complementação da União deve variar em cada Estado e município, como já ocorre com o Fundeb. No entanto, o dispositivo induzirá, no geral, a inversão das responsabilidades com gasto na educação, aumentando o papel da União.
Atualmente, apenas 18% dos gastos no setor vêm da União e o restante fica com Estados e Municípios. Com o CAQI, a fatia da União chegaria a 31% – tornando mais equânime o peso para os outros entes.
“Grande parte dos municípios ainda não consegue pagar o piso. Como creche e os anos iniciais são mais caros, e estão sob a responsabilidade dos municípios, esperamos essa regulamentação o mais breve possível”, afirma André Lemes, presidente da região Sul da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). “O ideal é que haja um modelo em que os recursos cheguem diretamente às secretárias, como o Fundeb, e não por meio de programas”.
Apesar do prazo do PNE indicar urgência, o MEC ainda discute e trabalha internamente sobre o dispositivo. Segundo o secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC, Binho Marques, a pasta concorda que a ideia de aumentar o financiamento com padrão de qualidade é essencial para o país, mas há “discordâncias” sobre os critérios.
“Estamos concluindo um estudo detalhado sobre salários dos professores. Não basta ver quanto custa, mas precisamos ver quanto custa e de modo eficaz”, diz ele.
O estudo deve ser apresentado em setembro. “O padrão não pode ser congelado, tem de ser dinâmico. E tudo tem de ser comparado com a capacidade de financiamento do país.”
O MEC criou em junho um grupo de trabalho para definir os detalhes do CAQi. Entidades educacionais temem que não haja tempo para que o dispositivo integre o orçamento do próximo ano.
Ainda não há um valor global sobre quanto custará para a União o novo índice. Mas a Campanha estimou que as novas matrículas de quem está fora da escola custariam R$ 37 bilhões.
Disputa– O custo-aluno é um dos principais elementos para construir um Sistema Nacional de Educação (SNE), a exemplo do que ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS) em termos cooperativos entre União, Estados e municípios. Sem modelo de financiamento definido, o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) ainda disputam a liderança no debate sobre a melhor proposta para o sistema nacional na área.
O Plano Nacional de Educação prevê a implementação do SNE até junho de 2016. No mês passado, o MEC divulgou um documento, elaborado com ajuda de especialistas, com propostas sobre o sistema. A ideia é reunir contribuições da sociedade e encaminhar um texto mais detalhado ao Congresso, onde a matéria será votada. A SAE, porém, também divulgou neste mês um documento, que traz um anteprojeto de lei complementar sobre o SNE.
Para Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o documento da SAE reconhece o custo-aluno, mas de forma tímida. Já o texto do MEC, segundo ele, “tenta fugir do mecanismo” e é muito teórico.
O ministério e a SAE negaram a disputa e disseram que há diálogo. O MEC ainda explicou que seu texto é mais conceitual do que uma proposta legislativa. A agenda, diz a pasta, está articulada com a ideia de custo-aluno.
Roberto Mangabeira Unger, ministro da SAE, afirmou que a função da secretaria é “provocar o debate”. O objetivo do atual documento, diz, é repensar a cooperação entre os entes federados, principalmente da União, em relação a Estados e cidades, para depois tratar dos detalhes do financiamento.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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