Dia desses incomodei um economista brasileiro porque ousei dizer que a economia, ainda que melhor, esteja ensaiando recuperação sobre bases demasiado frágeis. O incômodo gerou ataque pessoal nas redes sociais em vez de um argumento em contrário, algo que se tornou corriqueiro no Brasil. Em resposta a um pedido meu para que explicitasse sua contrariedade sem ofensas descabidas, disse-me essa pessoa – dessa vez em tom cortês – que eu, como outros economistas, não entendemos o “DNA imutável” da sociedade e da economia brasileira, que “raciocinamos sobre um país que não existe”. Confesso que não entendi a resposta.
O que entendi, entretanto, é que existe gente que acredita não ser possível mudar o Brasil, que estamos fadados a conviver com o que aí está. Há uma falácia lógica nessa linha de argumentação, na premissa esquisita de que a sociedade tem DNA, e ele é imutável. Afinal, se tudo o que ocorre no Brasil hoje, em todas as esferas, é meramente fruto de quem somos como sociedade e País sem que seja possível alterar essa suposta natureza engessada, estamos fadados à mediocridade.
Se aceitarmos a premissa da mediocridade, pela lógica somos obrigados a aceitar que todas as estruturas que nos mantém entre os países mais desiguais do mundo não haverão de se alterar, que a produtividade da economia brasileira seguirá baixa, ou em queda, que o crescimento não tem como deslanchar. Ou seja, a resposta que me foi oferecida contradiz a defesa da tese de que o Brasil caminha para uma recuperação forte e sustentada no curto prazo – de forma tortuosa, a resposta de meu interlocutor sustenta os questionamentos que expus, os mesmos dos quais ele diz discordar.
Falácias lógicas à parte, é bem possível que o Brasil não mude muito mesmo, que fiquemos presos a esse ciclo vicioso nefasto de engrenagens políticas que se perpetuam e nos mantém na mediocridade sem fim. O atual governo, sem dúvida, representa exatamente isso. Contudo, prefiro acreditar que o DNA imutável não seja a melhor metáfora para a sociedade brasileira. Prefiro achar que a melhor metáfora é a plasticidade neuronal que todos temos: a capacidade do sistema nervoso de alterar sua estrutura e seu funcionamento em reação à diversidade (e à adversidade) do entorno. Sociedades são como o cérebro, não são herança genética. A economia como construção da sociedade não pode, portanto, ser diferente.
Como ativar a plasticidade da economia brasileira? A lista é longa, e a que ofereço, por certo incompleta. Penso nas reformas que o governo Temer não endossou. O Brasil possui um dos sistemas tributários mais complexos e regressivos do mundo, emperrando a economia e perpetuando a desigualdade. Há no Congresso uma proposta de reforma tributária, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly, que oferece um excelente caminho para eliminar ineficiências e desfazer as estruturas que impedem o crescimento e o aumento da produtividade. Há uma extensa reforma do sistema financeiro a fazer, cujos pilares são: (I) a drástica redução do crédito direcionado; (II) a eliminação do FAT e do FGTS, com a devolução do dinheiro para a população; (III) a definição de um mandato para o BNDES que impeça seu uso como instrumento político para a permanência no poder. Há enorme frente a ser abordada nas questões comerciais: o Brasil deve ser colocado nas discussões do TPP-11, o acordo transpacífico que Trump repudiou, mas cujas negociações seguem. Não há palavra sobre isso no Brasil, embora a Colômbia já tenha status de país observador e a Argentina esteja se mexendo para conseguir o mesmo. Tampouco há palavra sobre negociações externas que o Brasil poderia estar conduzindo com países desenvolvidos.
Fala-se muito do acordo entre Mercosul e União Europeia, há décadas na mesa. Fala-se nada sobre a possibilidade de engajamento com o Canadá, que já demonstrou interesse em conversas com o Brasil, sobretudo agora com o imbróglio que cerca as negociações do Nafta. Por fim, o ajuste fiscal de curto prazo, que inevitavelmente terá de ser feito pelo próximo governo, aquele que herdará o custo da sobrevivência política de Temer. Não, o Brasil não está fadado à mediocridade eterna. O que aí está passará. Enquanto isso, passarinho.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 27/09/2017.
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