O cenário internacional tem sido bastante positivo para a economia brasileira. Os problemas domésticos dos países desenvolvidos têm feito com que as taxas de juros fiquem em patamares muito reduzidos, e o excesso de liquidez força a busca desesperada por alternativas de investimento em países emergentes.
O anúncio da segunda rodada de estímulos monetários do Fed joga mais lenha na fogueira. O crescimento chinês impulsiona o preço das commodities, ajudando no vento favorável para países como o Brasil.
A dúvida recai sobre como o governo brasileiro vai aproveitar essa oportunidade, que pode ser passageira. De forma sucinta, o que falta no Brasil é poupança interna, que está em patamares medíocres, abaixo de 20% do PIB. Para uma trajetória sustentável de crescimento, essa poupança tem que ser bem maior. O principal obstáculo para isso são os elevados gastos do governo.
Para “driblar” essa deficiência estrutural, governos passados apelaram para duas alternativas diferentes: obter poupança “forçada” dos brasileiros por meio da emissão de moeda; e tomar emprestado poupança externa. O primeiro caso tem como ícone o governo JK. A prosperidade aparente durante seu governo foi também ilusória: a conta foi paga com juros e correção monetária depois.
Todo governo que pensa poder fugir do problema da reduzida poupança doméstica por meio da emissão de moeda acaba com inflação fora de controle, cedo ou tarde. Foi o que aconteceu. Isso sem falar do péssimo destino dessa montanha de dinheiro extraída à força dos brasileiros, como a construção de Brasília.
O melhor exemplo para o segundo caso, da poupança externa, foi durante o governo do general Geisel. Muitos chegaram a falar de “milagre econômico”, mas ficou claro com o tempo que o milagre era um engodo. Tomar emprestado capital externo para construir estatais paquidérmicas se mostrou uma receita extremamente cara e ineficiente.
O voo também foi de galinha, exatamente porque faltaram as reformas estruturais que permitissem o aumento da poupança doméstica, com seu concomitante investimento produtivo pelo setor privado.
E assim voltamos ao presente, já que o mundo está ofertando dinheiro em abundância para os emergentes. A economia brasileira já tem se aproveitado disso. Os ativos subiram de preço, a moeda se valorizou, o cidadão se sente mais rico, o crédito impulsiona o consumo e a inflação ainda não representa uma ameaça iminente. Parece um céu de brigadeiro. Mas não existe almoço grátis.
O que tem sido uma incrível oportunidade para países como o Brasil pode se tornar um risco em pouco tempo, caso o dever de casa não seja feito. Se o governo repetir o modelo Geisel, teremos outro voo de galinha, com esqueletos que serão digeridos pelas próximas gerações.
Se o governo utilizar a poupança externa para construir trem bala ou estender privilégios a funcionários públicos, as contas externas vão explodir com o tempo, e a economia não ficará mais produtiva. Morreremos na praia, como sempre.
O que deveria ser feito, então? Uma agenda de reformas teria que ser adotada, reduzindo os gastos públicos e atacando os gargalos atuais. Reformas como a tributária, previdenciária e trabalhista são fundamentais.
Simplificação e redução de tributos, sinalização de que a bomba-relógio da Previdência Social será desarmada, e flexibilização das leis trabalhistas poderiam concretizar o verdadeiro “milagre” econômico. Além disso, a redução dos desperdícios com gastos correntes faria com que mais investimentos em infraestrutura e educação fossem possíveis.
Mas quem espera tais reformas de um governo Dilma? Parece pura fantasia. Eis porque o cenário para os investidores de longo prazo não é nenhuma maravilha. Os fantasmas dos antigos gargalos continuam assombrando nosso país.
Seguimos surfando a onda externa, expandindo o crédito, mas sem resolver os problemas estruturais e sem aumentar a poupança interna como deveríamos. Já os especuladores com horizonte mais curto aproveitam o bom momento, com a ajuda do Fed. O Ibovespa está perto do recorde histórico, e o real se valoriza cada vez mais.
Infelizmente, os fundamentos não garantem uma continuidade desse cenário. Faltam as reformas. O especulador sabe que está andando em terreno frágil, até minado. Resta contar com o conselho de Ralph Waldo Emerson: “Quando patinamos sobre gelo fino, nossa segurança é a velocidade”.
Fonte: “Valor Econômico”, 09/11/10
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