Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, a idealizadora da rede social profissional “atlz”, Paula Guedes, fala sobre juventude, empreendedorismo e mercado de trabalho. Formada em finanças pela Marshall School of Business e em economia pela University of Southern California, Paula tem MBA na Wharton School of Business e acredita no crescimento no número de jovens empreendedores no país. No entanto, a economista critica a falta de ambiente favorável: “No Brasil, o empreendedor não tem com quem compartilhar o peso do desafio”.
Empreendora, ainda na graduação Guedes lançou um site de notícias sobre a vida universitária.
Leia a entrevista
Instituto Millenium: Você poderia falar um pouco sobre a “atlz” e sobre a importância da iniciativa para os jovens que estão ingressando no mercado de trabalho?
Paula Guedes: A “atlz” é uma rede social profissional voltada a conectar universitários e recém-formados ao RH de empresas que estão contratando. Acreditamos que a conectividade seja essencial para que possam se conhecer melhor antes de trabalharem juntos. Ao trocarem ideias e conhecimento antes mesmo da entrevista, o candidato passa a conhecer melhor as oportunidades de mercado e a empresa passa a saber o que os candidatos esperam da experiência.
A expectativa é de que a empresa consiga atrair candidatos que sejam mais compatíveis com o seu perfil, cultura, e visão, e que candidatos tentem participar de empresas que são mais similares ao que almejam no longo prazo. Esperamos que o resultado dessa troca seja de relacionamentos de trabalho mais duradouros, e que ambas as partes fiquem mais felizes no ambiente de trabalho.
Imil: Qual é o perfil dos jovens recrutados pela sua empresa?
Guedes: Os jovens que participam da rede “atlz” são universitários e recém-formados, de todas as regiões do país, e que representam em torno de 900 instituições de ensino e uma ampla variedade de cursos. São ambiciosos, curiosos e antenados, sempre buscando o que há de novidade. Também são jovens que gostam de interagir e já tem uma presença forte em redes sociais naturalmente. Estes universitários vêm buscando facilidade para se manterem atualizados sobre todos os processos seletivos no site. E essa possibilidade não existe em nenhum outro lugar. Pensamos na experiência inteira pela perspectiva do candidato e esse é nosso diferencial em um mercado que só vem pensando em sistemas de RH exclusivamente pela ótica da empresa.
Para a nossa empresa contratamos pessoas proativas, determinadas, sonhadoras e técnicas. Note que coloquei a parte técnica por último, pois essa pode ser ensinada, já a atitude e ética são quase impossíveis de se gerenciar caso não estejam alinhadas desde o início.
Imil: Por que você optou por trabalhar nessa área?
Guedes: Sou apaixonada pela ideia de que pessoas podem inovar, inventar e reinventar indústrias. De certa forma sempre soube que gostaria de ser empreendedora. O que eu não sabia é que eu seria uma empreendedora em tecnologia, ou em RH. Optei por tecnologia por acreditar que é apenas através dela que se pode ter um verdadeiro impacto em grande escala. Optei por RH pois acredito que a indústria está prestes passar por uma renascença. Tenho certeza de que há algo grande por vir no setor. Vivemos um cenário global onde empresas reclamam que não há talentos, e onde candidatos reclamam que não há empregos. Esse paradoxo é sintoma de uma tempestade de fatores, ideal para que inovação aconteça.
Imil: Qual a importância do empreendedorismo? Você tem percebido um aumento no número de jovens empreendedores no país?
Guedes: Considero o empreendedorismo o motor do progresso da humanidade. Empreendedores geram empregos, riquezas, trazem inovação e criam prosperidade. É fácil esquecer que todas as empresas do planeta começaram apenas com uma pessoa, visão, coragem, e muita, mas muita dedicação. Empreendedores são pessoas que interpretam o mundo de forma diferente e que por função desse olhar veem oportunidades que outros não enxergam. Essa visão lhes proporciona a coragem para se atreverem a ser protagonistas e arriscar para construir um novo mundo.
O jovem tem um papel fundamental nessa equação. Se o empreendedorismo é o motor, o jovem é o motorista. É ele quem tem o dever de questionar o status quo e, consequentemente, é ele quem tem a responsabilidade de melhorar o futuro. Algumas das empresas mais relevantes do mundo, como “Google” e “Facebook” começaram há relativamente pouco tempo por jovens em garagens que se atreveram a imaginar algo melhor. A tendência é que esse fenômeno continuem. São indivíduos que fazem a diferença, e os jovens precisam acreditar nisso.
Acredito sim que haja um crescimento no número de jovens empreendedores no país. Porém ainda não vejo os números como bastante representativos. Algumas das pessoas mais capazes que eu conheço hoje ainda preferem a estabilidade de um emprego ou cargo público. Considero essa preferência problemática para o futuro do país por diversos motivos. Um deles é que algumas das mais importantes e relevantes empresas em 10 anos são empresas que ainda não ouvimos falar a respeito. Com o progresso tecnológico avançando exponencialmente, tudo indica que a próxima guerra por empregos acontecerá no campo virtual, ou seja, empregos no Brasil poderiam facilmente ser substituídos por softwares criado em outros lugares. Já é esse o caso com uma série de indústrias, e estamos totalmente despreparados para enfrentar essa nova realidade se não tivermos empreendedores locais pensando e enfrentando esse contexto desde agora.
Imil: Que tipo de dificuldade você encontrou para abrir a sua empresa? Você acha que a burocracia dificulta a criação de novas empresas pelos jovens, ela representa um desestímulo ao jovem empreendedor?
Guedes: Burocracia, impostos, falta de transparência e de respeito às leis e favorecimento desleal. Existe uma série de motivos estruturais que são bastante citados por empreendedores de muito peso que já superaram esses desafios. Além destes, dois principais obstáculos são a falta de mão de obra qualificada e a cultura não-empreendedora.
Estamos em pleno emprego e a contratação é um desafio para pequenas empresas, pois os salários estão cada vez mais altos por função da escassez. Esse é um desafio grande para empreendedores no Brasil que competem com as grandes empresas pelos melhores talentos. A sugestão de como remediar isso é criar uma visão que atraia pessoas que se interessam pelo objetivo maior, e que se sintam parte do resultado da empresa. Fazemos isso na “atlz” e tem funcionado. De certa forma esse desafio é uma boa notícia, pois é exatamente este problema que tentamos resolver – o que quer dizer que há um mercado para o serviço.
Sobre a cultura, que considero um grande obstáculo também, resumo ao dizer que o empreendedor no Brasil não tem com quem compartilhar o peso do desafio. Vai sozinho a suas conquistas, o que dificulta o sucesso. Nos Estados Unidos, por exemplo, o ecossistema empreendedor é bastante desenvolvido desde os estágios mais incipientes. Empreendedores são valorizados, têm uma rede de suporte e de recursos, principalmente intelectuais (através de mentores) que lhes ajuda a enfrentar os obstáculos.
Em uma cultura empreendedora, as pessoas falam o que pensam, testam e reiteram o projeto até acertar. Existe uma cumplicidade entre o empreendedor e seus apoiadores de juntos persistir até fazer funcionar. Aqui no Brasil existe uma grande maioria de pessoas que ainda são muito tímidas em oferecer críticas construtivas aos projetos. Para um empreendedor, a falta do feedback pode ter consequências letais. Esse empreendedor pode morrer achando que seu produto era espetacular quando na verdade ninguém teve sinceridade para alertá-lo dos riscos. É um desafio que considero difícil de reverter, pois é comportamental e cultural.
Essas questões criam barreiras sim, mas não são impeditivos para a criação de grandes empresas no país. As condições há 20 anos eram bastante piores e, no entanto, o Brasil tem excelentes empreendedores, visionários que superam todas essas questões e criaram empresas espetaculares e competitivas em nível global. Acredito que jovens que não empreendem e citam esses motivos como desculpa para não empreender provavelmente não tem o perfil do verdadeiro empreendedor e é melhor que não tentem mesmo, pois logo seriam desestimulados por outra questão.
Imil: Tendo em vista o crescimento da economia, você acredita que o Brasil oferece um cenário favorável para os jovens empreendedores?
Guedes: Somos uma geração de sorte. Nunca houve uma época tão favorável para se empreender no país. Com o cenário político estável, juros baixos e crescimento econômico é mais fácil conseguir planejar, captar recursos e gerar resultados. Fundos nacionais agora procuram ativos de maior risco, pois esses tem a possibilidade dar mais retorno (pois os juros estão bem mais baixos). A crise internacional até chega a ajudar um pouco, pois há fundos estrangeiros buscando ativos no Brasil.
Isso não quer dizer que não haja desafios, mas em um contexto geral o cenário é bastante favorável, sim. O que considero difícil é que os jovens tenham apoio em casa, pois os pais podem ainda não ter percebido que os tempos mudaram.
Imil: Que conselho você daria para um jovem que está no início da sua carreira ou que pretende abrir a própria empresa?
Guedes: Para quem está procurando um emprego, sugiro que entrem na “atlz” e criem um perfil, pois é lá onde estão todas as oportunidades para um primeiro emprego. Já para quem quer ser empreendedor dou cinco conselhos: cultive a coragem, busque a justiça ao fazer negócios, e não a vantagem, tenha mentores, forme uma equipe de pessoas com competências complementares e exercite a imaginação.
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