Entrevista transcrita, realizada pelo Instituto Millenium, em junho de 2017.
Engessar o orçamento, ou seja, determinar o quanto o governo deve gastar em cada área da esfera pública, é cristalizar uma preferência que foi dada em determinado momento – em 1988 mais precisamente, salvo algumas alterações –, que pode não representar mais as prioridades e preferências do momento atual. Significa impedir que os administradores estabeleçam o programa eleito pelo voto popular. Precisamos desconstitucionalizar a despesa pública, ou seja, cada candidato ou partido deve estabelecer suas prioridades e caberá ao eleitor definir o que deve ser feito.
Em alguns momentos gastamos mais com educação, noutro com saúde. O percentual destinado a estes dois temas, por exemplo, num momento de transição demográfica como o que vamos enfrentar, pode significar, em breve, muito dinheiro para a educação e muito pouco para a saúde, simplesmente porque teremos muito menos gente em idade escolar e muito mais pessoas idosas.
Além disso, esta predefinição do percentual de gastos dá margem para desperdícios, a partir do momento em que, ao final do ano fiscal, o governo sai gastando dinheiro com um monte de bobagens exclusivamente para atender aos índices constitucionais. Precisamos de mais flexibilidade orçamentária. O candidato disse que vai gastar muito mais em saúde e menos em transporte? Se obtiver aprovação do eleitor, é o que deverá ser feito.
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Já houve debates e estudos sobre o tema, mas é uma agenda que deve ser enfrentada de peito aberto nas próximas eleições. Na educação, por exemplo, há diversos estudos com fortes argumentos de que a meta do PNE de disponibilizar 10% do PIB para educação é exagero. Mas existe um lobby muito forte de professores, construtoras, grupos de interesses que seriam beneficiados com esta maior fatia de orçamento, o que revela um Estado ainda patrimonialista.
O gasto com educação também traz outro debate importante que precisa ser revisto. O Brasil gasta relativamente muito com educação superior e relativamente pouco com a educação básica fundamental e média. Temos aumentado este último gasto, é verdade, mas ainda é um enorme subsídio do ensino superior dado ao segmento mais abastado da sociedade. Estudos comprovam que a educação responsável por maiores externalidades positivas é a fundamental e média, isto é, resultam em maior produtividade. Por isso, precisamos realocar verbas, tornando pago o ensino superior para alunos de maior renda e financiando a permanência da parcela da baixa renda através de bolas e vouchers. Não faz sentido um filho de um segmento rico pagar uma escola particular de alta qualidade, ter uma educação melhor e depois se apropriar da universidade pública estatal, onde os custos por aluno são muito elevados. É muitos mais razoável ter cobrança do ensino superior e esquema de financiamento de alunos de renda mais baixa, seja em instituições estatais ou privadas.
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Outra proposta praticável é a de desindexar benefícios como a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em relação ao salário mínimo, passando a corrigi-los apenas pela inflação, mas depende fortemente de fatores como liderança, coligações partidárias e a questão do apoio político. A regra de indexação do salário mínimo diz que seu valor tem de ser corrigido pela inflação do ano anterior, mais o crescimento do produto dos dois anos anteriores. Então, todo o crescimento do produto, que não significa necessariamente ganho de produtividade, tem sido repassado para o salário mínimo, e desse para os benefícios previdenciários e assistenciais. A princípio, um contrato social de políticas de pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais tem como regra a preservação da renda real do aposentado, e não do ganho real. Esse indivíduo não está contribuindo para que haja ganho real do produto, ele, na verdade, está recebendo uma transferência, e essa transferência deve garantir tão somente que ele não terá perda real, como ocorria no passado. Há cerca de 30 anos, o governo burlava essa regra dando reajustes inferiores à inflação. Como resultado, milhões de aposentados tiveram perda real de sua capacidade de compra. A forma de garantir a contribuição foi indexar ao salário mínimo.
Graças ao aprimoramento institucional, tem-se a percepção de que a inflação não é boa para o país nem para os trabalhadores. Logo, nós devemos caminhar lentamente no sentido de garantir a manutenção real da aposentadoria, dos benefícios, mas não de transferir ganhos de produtividade ou ganhos de produto, apenas a manutenção da renda do trabalhador, que deve estar aposentado. Essa é uma discussão que teremos de enfrentar e que acaba por constranger, inclusive, o aumento do salário mínimo decorrente da produtividade.
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