O ano começou com o real apreciando com força: apenas em janeiro, ele ganhou 4,4% frente ao dólar, fechando o mês em R$ 3,16 / US$, o que levou vários analistas a apostar que o dólar cairia abaixo de três reais em 2018. Esse foi o cenário até que, a partir de meados de março, tudo mudou. Desde então, o real ficou entre as moedas dos principais emergentes que mais perderam valor, menos apenas que o peso argentino e a lira turca. Ao todo, uma desvalorização de 27,2% entre 15 de março e 31 de agosto, com o câmbio indo a R$ 4,18 / US$ ao final de agosto, uma perda quase igual à desvalorização cambial de dezembro de 1979, de 32,7%, que ajudaria a colocar o país na rota da hiperinflação.
É tentador atribuir essa depreciação ao quadro eleitoral, em especial ao risco de quem vencer as eleições não ter vontade e/ou capacidade para lidar com o grave quadro fiscal em que o país está mergulhado, o qual, se não controlado, vai trazer de volta a famigerada hiperinflação, junto com uma grande crise social. Seria, assim, uma repetição das eleições de 2002, mas com um quadro fiscal piorado.
Obviamente não nego a influência da incerteza eleitoral ou do quadro fiscal sobre o câmbio. Mas é difícil atribuir apenas a eles, ou só a eles, os 27,2% de desvalorização desde março. Afinal de contas, já ao final de 2017 estava claro que a situação fiscal era preocupante e que as eleições de outubro eram incertas. Além disso, como explicar que nesse mesmo período houve uma generalizada desvalorização das moedas de países emergentes?
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A verdade é que o real se desvalorizou frente ao dólar não apenas por conta de fatores que enfraqueceram o real, mas também, e principalmente, devido a mudanças que fortaleceram o dólar, não só contra o real, mas contra a maioria das moedas. Entre 15 de março e 31 de agosto, o dólar se valorizou 5,5% frente às moedas dos países riscos (índice DXY) e 8,5% frente às dos principais emergentes. A variação do real foi mais significativa, mas esse é o padrão histórico, que se observa nos dois sentidos: quando o dólar perde valor, o real também se fortalece mais.
Quatro fatores se combinaram para fortalecer o dólar nesse período. O primeiro foi a constatação de que o ano se iniciara com os EUA crescendo mais vigorosamente que o resto do mundo. As expectativas na virada do ano eram de que todos teriam expansões mais fortes em 2018, mas a Europa decepcionou. Além disso, os sinais de desaceleração na China, devido ao esforço de reduzir a alavancagem financeira, também assustaram investidores. E em cima disso veio a guerra comercial deflagrada pelos EUA contra todos, que gerou dúvidas sobre o crescimento global e aumentou a aversão ao risco.
Segundo, se consolidaram as expectativas de uma redução mais rápida do que antes esperada dos estímulos monetários nos EUA. As dúvidas sobre se o Fed subiria os juros hoje e de novo em dezembro cederam e os juros de mercado subiram. Como o mesmo não correu em outros países, ficou mais interessante comprar dólares para investir nos EUA.
Terceiro, o preço do petróleo subiu mais do que se previa. Isso também aumenta a demanda por dólares, pois os negócios com petróleo são realizados nessa moeda.
Por fim, a anistia tributária aprovada no final de 2017 para as empresas americanas que repatriassem recursos para os EUA gerou uma grande demanda por dólares. As estimativas disponíveis apontam que no primeiro semestre deste ano foram repatriados US$ 330 bilhões.
Esses quatro fatores perderam força nas últimas cinco semanas, o que levou a uma desvalorização do dólar. Entre 15 de agosto e 21 de setembro, o dólar se desvalorizou 2,6% frente às moedas dos países ricos e ficou estável contra as dos principais emergentes. O real ainda se desvalorizou na segunda metade de agosto, mas ao longo de setembro apenas oscilou em torno da taxa de fechamento de agosto.
Nos próximos meses é provável que haja uma pausa na tormenta cambial que marcou o cenário externo este ano, devido ao enfraquecimento dos quatro fatores listados acima, gerando uma certa estabilidade ou mesmo depreciação do dólar. Isso significa que variações da nossa taxa de câmbio irão depender mais diretamente do cenário político nacional. Pelo que se viu até aqui, é pouco provável que ele gere um movimento cambial muito forte, pelo menos até se conhecer melhor o que o próximo presidente de fato pretende fazer. Mas, como muitas vezes ocorre com o câmbio, as previsões podem estar furadas.
Fonte: “Site Armando Castelar”, 27/09/2018