Com a queda da taxa de juros, parece ser disseminada a visão de que agora o Tesouro, ao pagar menos pelo serviço de sua dívida, teria um espaço para gastar mais.
Trata-se de um equívoco, seja do ponto de vista empírico ou do ponto de vista teórico, mas que, concretamente, parece guiar o governo, que já reconheceu a incapacidade de cumprir a meta fiscal deste ano.
Tal noção se baseia em crenças que não correspondem aos dados. A começar pela ideia de que os gastos com juros teriam de alguma forma forçado o governo a controlar suas despesas, fenômeno que a realidade insiste em desmentir.
Com efeito, o gasto primário federal, que em 1997 equivalia a 14% do PIB (R$ 330 bilhões, a preços de hoje), atingiu 18% do PIB nos 12 meses terminados em setembro (R$ 801 bilhões), crescendo 6% ao ano acima da inflação.
Não sei no que crê o leitor, mas para mim isso não guarda a menor semelhança com um governo de alguma forma restrito por suas obrigações financeiras.
Além disso, a verdade é que, apesar da queda da taxa Selic, o gasto com juros caiu bem menos do que se imagina, de uma média de 5,4% do PIB nos últimos anos para 5,1% nos 12 meses até setembro.
O “milagre” às avessas tem raízes nos pesados subsídios dados ao setor privado por meio das instituições financeiras federais.
Como o Tesouro cobra dessas instituições menos do que lhe custa para tomar recursos no mercado, sua conta líquida de juros fica tanto mais cara quanto maior o volume emprestado a essas instituições.
Em particular, de 2007 para cá esses empréstimos saltaram de 0,5% para 8,5% do PIB, cujo subsídio implícito aparece precisamente na conta de juros, agindo no sentido oposto ao da redução da Selic.
Mais importante, porém, do que os equívocos factuais é o conceito de que juros mais baixos permitiriam gastos mais altos.
Isso seria, em alguma medida, válido anos atrás, quando a preocupação da política fiscal no Brasil dizia respeito à nossa capacidade de manter a dívida pública sob controle, debate semelhante ao que ocorre hoje nos países da periferia da Europa. Sob tais circunstâncias, a meta de superavit primário está intimamente ligada ao tamanho e ao custo da dívida.
Quanto maior seu custo, tanto maior o esforço fiscal necessário para evitar que isso se traduza em aumento da dívida, implicando custos ainda maiores no futuro, espiral que pode se tornar incontrolável.
Nesse caso, uma redução da taxa de juros permite uma política fiscal menos apertada. Todavia, há muito que o foco real da política fiscal no Brasil deixou de ser a questão de controle de dívida.
É verdade que a dívida bruta brasileira, equivalente a 58,5% do PIB em setembro, não é exatamente baixa, mas não há sinais de crescimento descontrolado e mesmo um superavit primário inferior ao observado nos últimos meses manteria a dívida relativamente estável.
O verdadeiro problema da política fiscal no Brasil é o rápido ritmo de aumento do gasto público, que compete com o gasto privado (consumo e investimento) pelos mesmos bens e serviços.
Assim, no momento em que a redução da taxa de juros deve elevar o ritmo de expansão do gasto privado, o ideal seria a moderação da despesa pública, em particular dos gastos correntes, que, ao contrário do investimento, não implicam aumento futuro da oferta.
Observamos, porém, precisamente o oposto. Os gastos correntes, já ajustados à inflação, aumentaram quase R$ 28 bilhões (0,8% do PIB) em 2012, enquanto os investimentos (à parte a inclusão este ano do programa Minha Casa Minha Vida nessa rubrica) se mantiveram inalterados e irrisórios, correspondendo a pouco mais de 1% do PIB.
Resumindo, do tripé original nada sobra: o câmbio é fixo, a meta de inflação, uma miragem, e o compromisso da política fiscal derrete como um sorvete ao sol, o que a equipe econômica tenta tapar com uma peneira cada dia mais furada.
Fonte: Folha de S. Paulo, 07/11/2012
O Governo segue arrasando o poupador e privilegiando empresas mambembes com juros privilegiadissimost.