Precisamos urgentemente usar os termos corretos para tratar do Projeto de Lei 135/2019 sobre as urnas eletrônicas. Tem se dito que o texto trata do “voto impresso” e de “voto auditável”. Ambos os termos não só estão longe de descreverem o seu conteúdo, como ainda provocam uma confusão prejudicial ao debate de um assunto que é crucial à democracia.
Urnas eletrônicas não são novidades. A urna brasileira é considerada uma urna de primeira geração. Desde que foi estreada, nos idos de 1996, surgiram duas novas gerações de aparelhos. A urna de segunda geração, além do registro eletrônico que os brasileiros já conhecem, ainda imprime uma via em papel que pode ser conferida pelo eleitor e depositada em uma urna física. Já o equipamento de terceira geração, imprime um recibo com um chip que é processado por uma segunda máquina e projetado na tela para conferência do eleitor antes do voto ser depositado em uma unidade física. Todas estas novas gerações foram criadas com o objetivo de confirmar que o voto registrado é o mesmo que o eleitor viu no visor ou garantir a maior confiança no sistema.
Voto impresso
Primeiramente, quanto ao projeto tratar de “voto impresso”, é importante notar que o voto seguirá sendo digital. A contabilização será feita nas urnas eletrônicas da mesma forma que foi feita nas eleições anteriores. O recibo impresso não será levado para casa pelo eleitor. E nem poderia, pois isso permitiria a comprovação do voto para terceiros, facilitando um mercado de compra e venda de votos que temos combatido durante séculos e que foi minimizado pela proibição do uso de celulares e câmeras durante a votação.
Mesmo as urnas de segunda e terceira geração não permitem que eleitor leve um “comprovante” do seu voto para fora do local de votação. Os países que adotam estas urnas usam a contagem digital como contagem oficial, além de mais rápida, reduz falha humana no processo de contagem de milhares (ou milhões) de cédulas. Ao todo são pelo menos 46 países que contam com alguma forma de voto digital. Não podemos nos esquecer que até mesmo os Estados Unidos tiveram dificuldade com a contagem manual de votos impressos em 2002, em uma eleição polêmica que levou George W. Bush à Casa Branca.
Voto Auditável
A melhoria e a atualização das urnas são mais do que válidas e bem-vindas. Porém, como qualquer outra política pública, é uma ação tem custos e eles não são baixos. No caso da instalação de sistema de impressoras nas cerca de 500 mil máquinas brasileiras, é estimado um custo acima de R$ 2 bilhões. Alguns especialistas inclusive duvidam da viabilidade de implementação para 2022, será necessária uma licitação pública para a compra, além da instalação dos complementos e sistemas. É uma logística complexa.
O pior cenário seria ter uma parte das urnas com tecnologia diferente da outra. Isso sim poderia colocar em xeque a credibilidade do sistema. A depender de onde ficassem cada um dos grupos de urnas, certamente o resultado seria diferente em cada amostra populacional. Um resultado “diferente” em um dos dois grupos de urnas poderia dar combustível para algum candidato criticar o sistema da outra urna, desconsiderando que as divergências são decorrentes da diferença das amostras populacionais. Acabaríamos com um embate de qual amostra é mais representativa do total das urnas: as totalmente eletrônicas ou as de recibo.
Apesar de a nossa urna ser “de primeira geração” acusações de fraude nunca avançaram na Justiça Eleitoral, por falta de base. Testes são feitos antes de toda eleição, com acompanhamento de todos os partidos envolvidos, além de conferência por amostragem no próprio dia da votação. O processo brasileiro já é auditável e auditado de diferentes formas, sem violar o sigilo do voto e sem criar dois tipos de votos.
Conclusão
A “auditabilidade” no sistema eleitoral é essencial, como já foi tratado pelo Millenium Fiscaliza. E melhorias são sempre bem-vindas num processo eleitoral. Quanto mais confiança, melhor. Garante a solidez da democracia e a estabilidade política. Porém, é preciso levar em conta a escassez de recursos e de tempo até o próximo pleito. O Brasil tem demandas urgentes oriundas da crise fiscal e da pandemia de Covid-19. É preciso estabelecer prioridades, não podemos correr o risco de que recursos e esforços logísticos sejam deslocados da distribuição de vacinas, do combate à pandemia e das medidas de retomada econômica, para um “upgrade” em urnas que até hoje não tiveram nenhum indício comprovado de fraude. A troca deve ser feita com a calma e a atenção necessárias para garantir um processo correto e no momento mais adequado.
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