O plano do Congresso Nacional de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para permitir as prisões de condenados em segunda instância pode resultar em longas disputas jurídicas, incluindo novos questionamentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o momento da detenção de um réu. Se aprovada pelo Legislativo , porém, a eventual mudança na regra deve ser aplicada de forma retroativa — ou seja, passaria a valer inclusive para os réus de processos em andamento, que poderiam voltar à prisão, e não apenas para ações penais iniciadas depois da alteração na legislação. É a avaliação da maior parte dos juristas ouvidos pelo GLOBO sobre a questão, mas não é a única controvérsia jurídica no tema.
Após o julgamento encerrado na última quinta-feira, as comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado preveem acelerar a tramitação de duas PECs que mudam a regra para o momento em que é permitida a prisão de um réu.
A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da 2ª Câmara da PGR, responsável pela área criminal, e o professor Thiago Bottino, da FGV Direito do Rio, defendem que, se o Congresso aprovar a prisão após condenação em segunda instância, será possível aplicar a regra a casos já em andamento.
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Ambos veem um caminho possível para alterar a Constituição sem mexer na parte que trata de direitos e garantias individuais, protegida por cláusula pétrea. Bastaria estabelecer que o trânsito em julgado ocorre antes da apresentação de recursos nos tribunais superiores. Nem os recursos nem o trânsito em julgado seriam abolidos, mas isso deixaria de impedir a execução da pena após condenação em segunda instância.
— Quando você muda (a legislação) e esses recursos já não existem, as pessoas não podem mais fazer recursos. Aí, transita em julgado — analisa Bottino.
Tanto ele como Frischeisen, porém, fazem algumas ressalvas. Se a mudança for no Código de Processo Penal (CPP), por exemplo, será preciso antes avaliar se a nova regra será compatível com a Constituição.
— Se entender que pode mudar o Código Penal, vai aplicar imediatamente — afirmou a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen.
Bottino acrescenta:
— Tem uma questão que é a diferença entre uma lei penal e uma lei processual. A lei penal não pode retroagir a fatos anteriores. Mas uma lei processual se aplica imediatamente e vale para todos os casos que estejam em andamento.
Cláusula pétrea
Em caráter reservado, um ministro do STF explica que uma eventual emenda constitucional terá efeito retroativo. O ministro entende, porém, que é um direito fundamental permanecer em liberdade até o trânsito em julgado — ou seja, até a análise de todos os recursos à disposição da defesa — e ressalta que o trecho da Constituição Federal sobre as hipóteses de emenda impede a aprovação de PEC contrária a direitos e garantias individuais. Por esse raciocínio, a emenda, se aprovada, poderia ser derrubada pelo Supremo.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, concorda que uma PEC seria inviável porque o direito de ser considerado inocente até o trânsito em julgado estaria protegido por cláusula pétrea da Constituição, sem possibilidade de mudança. Além disso, para Santa Cruz, eventual PEC não poderia ter efeito retroativo. O advogado analisou, ainda, que mudar agora a regra sobre o momento ideal das prisões traria insegurança para o país.
— Após longa apreciação no STF, remetemos o tema ao Legislativo e, depois, haverá novo questionamento no STF. Isso deixaria o país em um longo período de insegurança jurídica — disse.
O presidente da OAB avalia que a iniciativa do Legislativo é meramente conjuntural, porque não enfrenta questões cruciais da má estrutura do sistema judicial brasileiro, como a superlotação dos presídios. Ele defende a mudança no CPP para simplificar os recursos possíveis.
— A situação dos presídios é caótica. O Sistema de Justiça tem que ser repensado. Não é assim, criando mais polêmica, que vamos resolver — avaliou Santa Cruz.
+ Merval Pereira: STF volta atrás
Entenda as duas PECs
Na Câmara
A PEC 410, de 2018, altera o texto do artigo 5º da Constituição. Determina que ninguém será considerado culpado “até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso” e não mais em “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, como previsto hoje. A principal justificativa é que, após decisão de segundo grau, encerra-se a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado.
No Senado
A PEC 5, de 2019, inclui no artigo 93 da Constituição que a decisão condenatória proferida por órgãos colegiados “deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”, o que determinaria a imediata aplicabilidade de condenações penais proferidas pela segunda instância.
Fonte: “O Globo”