O Tribunal de Contas da União, no exercício de sua função constitucional de bem fiscalizar a contabilidade pública, encontrou uma série de irregularidades na escrituração do governo federal. Os fatos apurados são de absoluta gravidade, sendo passíveis, no entender do TCU, de configurar afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal. Coincidentemente, o governo luta para aprovar um ajuste fiscal, sendo, portanto, possível presumir que estamos frente a um invencível desajuste administrativo. Aliás, um bom governo é justo por natureza, dispensando as medidas duvidosas.
Indo adiante, a oposição resolveu aprofundar o exame de eventual pedido de impeachment, solicitando pareceres jurídicos quanto ao ponto. O governo, por sua vez, em vez de negar a ilicitude, alegou que a suposta inexatidão de contas seria fato antigo, tendo ocorrido, igualmente, nos governos dos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso. Parece que alguns sábios do Planalto pensam que uma vadia ilicitude reiterada é capaz de, com o tempo, ficar pura e casta. Ora, convenhamos, quanto desprezo à inteligência do povo; todos sabem que a ilicitude é uma porta em que se entra sem passagem de volta.
Em vez de palavras vazias, o governo deveria ter a dignidade de olhar para os brasileiros e assumir suas responsabilidades políticas. As pessoas estão cansadas de ser enganadas; não aceitam mais mentiras públicas nem inverdades privadas. Nesse contexto nebuloso, uma vez comprovada definitivamente a ilegalidade política, estará aberta a possibilidade de acusação de crime de responsabilidade da presidente, por descumprimento das leis da República (art. 85, VII, CF).
[su_quote]O governo deveria ter a dignidade de olhar para os brasileiros e assumir suas responsabilidades políticas[/su_quote]
E não se diga que os fatos ocorreram em outro mandato, pois, com a reeleição, a representação popular continuou seu curso normal sem qualquer interrupção. Tanto é verdade que os dignos ministros da Justiça e da Casa Civil, ilustrativamente, continuaram em seus cargos independentemente de nova nomeação. Além disso, se fosse aceitável a tese da desconexão dos mandatos, teríamos uma esdrúxula situação de fato: o presidente-candidato poderia fazer o diabo para se reeleger e, depois de todas as diabruras, ir descansar nos céus da impunidade. Dessa forma, a questão, antes de jurídica, é de decoro democrático.
Agora, o impeachment não é brincadeira de criança. Se a oposição quer apenas desgastar o governo, que vá encontrar outro brinquedo. Todavia, se entende que os fatos o legitimam, que use o instituto constitucional de forma séria, competente e segura. A hora, frisa-se, não é de improvisações. Objetivamente, um país não pode viver em uma crise permanente. Por mais paradoxal que possa parecer, temos uma presidente reeleita que não governa mais. Além de perder o protagonismo político, o governo sofre duras e sucessivas derrotas no Congresso Nacional, indicando uma clara liquefação do apoio parlamentar.
A situação é altamente preocupante. O governo está agudamente fragilizado e, diante do quadro de sintomática desaceleração econômica, as circunstâncias só tendem a se agravar nos dias vindouros. Se tudo já não fosse o bastante, a inabilidade política da presidente – que conseguiu a proeza de comprar briga com seu principal partido de apoio – traduz um claro indicativo de que o clima de instabilidade virou uma constante no atual cenário brasileiro. Sim, o impeachment, por seus arcaísmos e complexidades internas, talvez não seja posto em prática. Mas haverá algo mais humilhante para um presidente do que ser eleito e virar um fantoche em mãos alheias?
Fonte: Estado de Minas, 1º/5/2015
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