A fórmula de cálculo de aposentadorias se tornou o espantalho final da reforma da Previdência, depois que a questão das idades foi superada e o tempo de contribuição reduzido. Alega-se que os trabalhadores mais pobres terão seus benefícios rebaixados. Na verdade, a maioria dos brasileiros não teria sido afetada pela nova fórmula: os mais pobres.
O Brasil possui ao redor de 28 milhões de aposentados em seus variados regimes: destes, cerca de 60% não teriam sido alcançados pela reforma da Previdência se ela valesse no passado. Para eles, nem idade, tempo de contribuição ou valor do benefício teria sido diferente.
São trabalhadores rurais, homens urbanos que se aposentam por idade recebendo salário mínimo e idosos no Benefício de Prestação Continuada (BPC, que aqui elenco no rol de aposentadorias, ainda que ela não o seja formalmente). São também servidores públicos estaduais e municipais e militares das Forças Armadas.
Mas fiquemos no âmbito do INSS para analisar o cálculo dos benefícios. Dos benefícios operados pelo INSS com caráter de aposentadoria, 65% não teriam valor diferente com a nova fórmula, e são justamente os recebidos pelos mais pobres. O principal motivo é simples: a reforma mantém a vinculação desses benefícios com o salário mínimo.
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Assim, a fórmula de 60% da média salarial acrescida de 2% para cada ano de contribuição superior a 20 anos não resultaria em benefício diferente. A fórmula atual já resulta em benefícios abaixo do mínimo, mas a vinculação os levanta. Esse mecanismo não mudou.
Essa conclusão é evidente para beneficiários da Previdência rural e do BPC, excluídos da reforma e fixados em 1 salário, mas pode não parecer óbvia no caso das aposentadorias urbanas. Como o salário mínimo cresceu muito acima da inflação desde os anos 90, a média salarial de trabalhadores pobres se encontra abaixo do mínimo atual em termos reais. Qualquer fórmula de cálculo sobre essa média tende a resultar em valor inferior ao piso.
Considere um trabalhador que contribuiu sobre o salário mínimo desde 1995 e somente nesse período de 24 anos. Sua média salarial é de R$ 710 em valores atuais. Para o cálculo do benefício, hoje, desprezam-se os 20% piores salários. A média subiria a R$ 775.
A atual fórmula da aposentadoria por idade, benefício em que se pode aposentar com 24 anos de contribuição, é de 70% dessa média acrescida de 1% por ano de contribuição. O valor resultando é R$ 730, abaixo do piso de R$ 998 (o salário mínimo). Esse trabalhador recebe então um benefício muito maior do que sua média: o valor da aposentadoria é indiferente à sua média salarial.
Com a reforma, seriam 60% da média de todos os salários acrescida de 2% por ano além de 20. O valor apurado é bem menor: R$ 490. Novamente, como a vinculação ao salário mínimo foi mantida, a aposentadoria será de R$ 998.
Trabalhadores mais pobres continuarão conseguindo 100% na aposentadoria mesmo com o tempo mínimo de contribuição, de 15 anos. Na verdade, até muito mais do que 100% da média.
Esses 15 anos são menos da metade do que os tais 40 anos alardeados como necessários para conseguir os 100%. Mesmo para os que ganham mais e se aposentam por tempo de contribuição, os 40 anos não significam grande mudança em relação ao fator previdenciário, ainda o principal cálculo para essa aposentadoria. Para ter 100% hoje, um trabalhador de 62 anos precisa justamente de 40 de contribuição. Um de 59 anos precisa de 44 de contribuição.
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Se não há tanta mudança, para que a nova fórmula? O seu mérito principal é unificar uma miríade de cálculos diferentes existentes entre os regimes e, mesmo dentro de um regime, entre os diferentes benefícios. No Regime Geral, por exemplo, há duas contas para a aposentadoria por tempo de contribuição, outra por idade, outra por invalidez. Entre os servidores, um cálculo para quem entrou até 2003, outro para quem entrou até 2013, mais um para quem entrou depois. E assim vai.
Quem perde então com a nova fórmula? Principalmente servidores públicos. No INSS, os que se aposentam por tempo de contribuição usando a fórmula 85/95, criada em uma pauta-bomba em 2015 e sempre tida como de vida curta pelo seu alto custo e regressividade. E, por fim, há o caso sensível e excepcional explorado nos últimos dias: os que se aposentam por idade, com pouco tempo de contribuição, mas média salarial relativamente alta. Não são trabalhadores ricos, mas não são pobres o suficiente para terem a proteção da vinculação.
No futuro, a porcentagem de atingidos pela nova fórmula pode mudar. Depende do quanto a economia crescer acima do salário mínimo. À medida que as médias salariais superem o mínimo, ele deixa de garantir a alta reposição atual.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 16/07/2019