Augusto quer pegar um voo para uma reunião, oportunidade para a sua microempresa. O preço, porém, está salgado, acima de suas possibilidades: o microempreendedor desiste. A tarifa cabe confortavelmente no orçamento de Fátima, que viajará de férias em um voo com assentos vazios.
Este problema deixa de existir se ela puder cobrar separadamente a bagagem. Augusto não se incomoda em fazer um esforço para não despachar malas. A companhia área não se incomoda em reduzir a passagem para ele. Faz isso não por ser boazinha, mas por ambicionar o máximo de lucro: quer o voo cheio ao menor peso possível.
Podendo cobrar por mala, a companhia aérea ganha mais. Ela arrecada com pessoas que antes não viajariam, como Augusto. Até arrecada menos com pessoas que já viajariam sem mala e passam a economizar na passagem, mas a empresa compensa arrecadando mais com consumidores com propensão a gastar, como Fátima.
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O veto do Presidente Bolsonaro ao fim da cobrança de bagagens é ganho para as aéreas, permite que Augustos viajem e deixa Fátimas chateadas por não terem mais sua bagagem subsidiada. O veto convergiu com o argumento dos técnicos da Anac, Cade, TCU e MPF, entre outros.
O leitor pode desconfiar da redução da passagem. Mas pela teoria microeconômica, se as companhias têm grande poder de mercado diante dos consumidores, não precisam da cobrança de bagagem: poderiam simplesmente aumentar as passagens diretamente.
E a evidência empírica? Separando as mudanças no preço do querosene e dólar, estudo do economista Bruno Resende da FGV estimou queda de R$ 15 na tarifa média. Nos EUA, Jan Brueckner da Universidade da Califórnia (e coautores) identificaram queda de 3% nos 2 primeiros anos da cobrança.
Com a cobrança, as aéreas podem pedir preços diferentes de pessoas dispostas a gastar quantias diferentes. Assim, reduzem o preço do Augusto e elevam o de Fátima, movimentos que não necessariamente se compensam: o lucro pode aumentar. Não é novidade: 1ª classe e desconto para compra antecipada já são ferramentas para cobrar menos de Augusto e mais de Fátima.
A cobrança também é vantajosa para as aéreas quando há mudança de comportamento: não cobrar pela mala é ineficiente à medida que estimula excesso de bagagens. Peso é custo, que todos vão pagar.
O problema das malas grátis não é uma grande questão nacional, mas é anedótica delas. Somos permeados por arranjos com subsídios cruzados (Fátimas que podem pagar mas querem que os outros paguem por suas malas) e ineficiências (Augustos ficam de fora e os voos saem pesados com malas redundantes).
Se alguém não paga por sua mala, outro paga. Se alguém não financia sua universidade, outro financia. Se alguém não contribui para a sua aposentadoria, outro contribui. Se alguém não recolhe seu imposto, outro recolhe. Se alguém não custeia o juro do seu empréstimo, outro custeia. Se alguém não arca com sua incompetência, outro arca.
A mala grátis de Fátima é a passagem cara de Augusto. A universidade grátis de Fátima é o tributo de Augusto. A aposentadoria precoce de Fátima é a estrada esburacada de Augusto. O empréstimo subsidiado de Fátima é o juro maior de Augusto. A isenção fiscal de Fátima é o imposto maior de Augusto. A proteção comercial de Fátima é o produto mais caro de Augusto.
+ Marcus André Melo: Lava Jato
A agenda de reformas é justamente uma contra os vencedores que moldaram às instituições a seu favor. Os perdedores de hoje os subsidiam e sofrem com as ineficiências. É o extenso caminho das reformas da Previdência, tributária, do crédito e a abertura comercial, em que já passamos pelo Teto de Gastos e a TLP (BNDES).
Nem a chateação com a cobrança de passagem é só de brasileiros nem o diagnóstico de “caça às rendas” sufocando a economia é novo. Foi muito bem documentado no livro de Marcos Mendes Por que o Brasil Cresce Pouco? e nos textos de Zeina Latif, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa, que popularizaram a expressão “país da meia-entrada”. Neles, a alta desigualdade estaria relacionada com nosso problema: o longo balcão com elites despachando malas grátis.
Fonte: “Estadão”