Somente a transparência permite a correta tomada de decisões dos agentes públicos. Uma administração sob a constante fiscalização da sociedade civil e da imprensa tem seus esforços impulsionados a favor da eficiência e da prestação de contas, cuja consequência é o fim de desvios de propósito e a drástica redução dos desmandos das autoridades nas mais diversas esferas do poder. Não à toa a transparência é considerada um poderoso antídoto contra a corrupção: é ela que permite o jogo limpo, “às claras”, e por isso é dever do cidadão cobrá-la a todo custo, numa defesa acima de ideologias e paixões políticas. É um valor inegociável para a qualidade da democracia.
Há no Brasil, porém, uma demasiada preocupação com o sigilo de informações que por algum motivo possam comprometer a segurança da administração federal. Exemplo recente é a fatura do cartão corporativo da Presidência nos dois primeiros meses de 2019. Do total de R$ 1,1 milhão gasto com a Secretaria de Administração da Presidência da República, onde estão incluídas as despesas com o presidente, somente R$ 15,5 mil (1,4%) foram disponibilizados detalhadamente ao conhecimento público. O indivíduo mais consciente do exercício de sua própria cidadania haverá de perguntar: “Será que o valor restante foi utilizado de modo eficiente?”. A pulga fica atrás da orelha.
A falta de transparência de longe não é um problema restrito à Presidência. Desde 2014 o Brasil piora constantemente no ranking de percepção de corrupção promovido pela Transparência Internacional, um atestado da desconfiança do brasileiro em relação a seus representantes, dirigentes de estatais e burocratas oficiais. Apesar de avanços como a Lei de Acesso a Informação (LAI), responsável por compreender o acesso à informação pública como um direito do cidadão, a realidade ainda deixa muito a desejar.
A Escala Brasil Transparente – Avaliação 360º, iniciativa da Controladoria Geral da União (CGU) para avaliar o grau de transparência de estados e municípios, revelou que, quando o assunto é “transparência passiva”, ou seja, quando trata da existência de canal (presencial e eletrônico) para solicitações de informação pelos cidadãos e atendimento de pedidos, somente 36 de 602 entes federativos avaliados atingiram pontuação máxima no tocante ao cumprimento da LAI. Os números a respeito da “transparência ativa”, que avalia a efetiva publicação online de dados como receitas e despesas, licitações e contratos, obras públicas e lista de servidores, são ainda piores: somente Vitória (ES) atingiu nota máxima entre 691 entes avaliados. Além da dificuldade com a qual o cidadão comum se depara ao entender os dados disponibilizados nos portais de transparência, as páginas na web carecem de atualização, padronização e usabilidade.
Um dos efeitos perversos da falta de transparência é a consequente falta de cobrança e responsabilização. Enquanto o dinheiro público e a energia das autoridades são gastos com o que é oculto, o que salta aos olhos muitas vezes é negligenciado pelo poder público, como é o caso da tragédia de Brumadinho. Em artigo publicado em janeiro no jornal “O Globo”, o economista e fundador da ONG Contas Abertas Gil Castello Branco sintetizou o sentimento da população ao encarar o descaso com o qual a tragédia de Mariana, três anos antes, foi tratada: “Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia”. O artigo destaca ainda que “nos últimos 19 anos (2000 a 2018) dos R$ 444,4 milhões autorizados no orçamento da União para ações destinadas às barragens, efetivadas pelos ministérios da Integração, Minas e Energia e Meio Ambiente, somente R$ 167,3 milhões (37,6%) foram realmente pagos.”
A transparência é imprescindível para que a população possa estar atenta ao que de fato importa: a administração de tudo o que é público. Exemplos emblemáticos como o sigilo do financiamento bilionário do BNDES para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, durante o governo Dilma Rousseff, devem servir para que tanto a transparência como o papel da imprensa sejam valorizados no debate público, a fim de aprimorar as instituições brasileiras. Na era das redes sociais e da prestação de contas, não faz sentido que um sem número de informações e transações fiquem resguardadas na escuridão da confidencialidade. É nesse sentido que a opinião pública considerou equivocado o decreto do vice-presidente Hamilton Mourão, quando no exercício da Presidência, em janeiro deste ano, ampliou o número de servidores com poderes para tornar documentos sigilosos. A reação da sociedade civil foi crucial para que o Congresso Nacional aprovasse um projeto para sustar os efeitos da decisão.
Mesmo enfrentando cenários muitas vezes adversos, várias organizações independentes têm trabalhado fortemente para tornar a coisa pública cada vez mais transparente e de fácil entendimento para o cidadão brasileiro, não apenas no tocante ao gasto público, mas também no acompanhamento dos políticos eleitos, como é o caso do Ranking dos Políticos e o aplicativo Poder do Voto. As iniciativas da sociedade civil vão desde projetos locais de fiscalização e transparência, como o Observatório de Piracicaba, a projetos nacionais, como o Achados e Pedidos, da Transparência Brasil, e a Agência Contas Abertas. São projetos como esses que, juntamente com a fiscalização da imprensa, podem acender as luzes do país. Somente com transparência o Brasil pode combater efetivamente a corrupção para seguir nos trilhos civilizatórios.