A votação do novo Código Florestal, prevista para amanhã, representa um enorme avanço da legislação brasileira, tornando uma colcha de retalhos de medidas provisórias, leis e decretos um todo coerente, voltado para o bem do País. Não se trata de uma falsa oposição entre “ambientalistas” e “ruralistas”, mas de parlamentares e cidadãos igualmente responsáveis e comprometidos com o futuro do Brasil.
Convém, nesse sentido, ressaltar que tampouco há um embate entre “governo” e “oposição”, mas um diálogo frutífero que se tem traduzido por medidas sensatas. Não há, nem deve haver, “vitoriosos” e “derrotados”. Pessoas de partidos tão díspares como o “comunista” Aldo Rebelo e a “ruralista” Kátia Abreu se juntaram numa mesma causa, que ultrapassa qualquer clivagem partidária. Cabe mesmo a pergunta sobre se tais rótulos ainda têm algum sentido. A questão é bem outra, a dos que defendem ou não o bem do Brasil.
Há, sim, atitudes de parlamentares de diferentes partidos que pensam num mundo novo, voltado para conjugar a produção de alimentos, tão necessária ao planeta, e a defesa do meio ambiente. Não esqueçamos que, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o País preserva 61% de suas florestas nativas, que serão, precisamente, preservadas.
Não se pode perder o olhar em questões menores e menosprezar os enormes ganhos já obtidos nas negociações realizadas. Se tivesse de resumir numa expressão essa vitória do País, seria tentado a chamá-la de segurança jurídica. O relatório do deputado Aldo Rebelo tira da ilegalidade mais de 90% dos agricultores brasileiros, familiares, pequenos, médios e grandes, que, hoje, estão submetidos a uma espada de Dâmocles, que pode abater-se sobre sua cabeça a qualquer momento. Não se pode viver assim, muito menos produzir.
Dentre os avanços, necessário destacar a perda de vigência de uma aberração existente no Brasil: o efeito retroativo da legislação ambiental. Quem cultivou a terra em determinada região, seguindo as leis em vigor na época, e, em muitos casos, tendo sido incentivado pelo governo, não pode ser tido como um “criminoso” que deve recompor a área desmatada. Trata-se de uma aberração que só o nazismo foi capaz de postular como uma “legalidade”.
Outro foi o cômputo conjunto de reserva legal e áreas de preservação permanente (APPs), de modo a não tornar propriedades inviáveis, sobretudo pequenas e médias. Trata-se, também, de medida de bom senso. Atualmente, o cálculo é feito separadamente. Esse tipo de legislação só poderia ter como resultado expulsar famílias inteiras do campo, aumentando o número dos miseráveis nas cidades. O planeta deve preservar os seres humanos, e não só a mata nativa. Homens e mulheres não são objetos descartáveis que possam ser desconsiderados.
Outro ponto é o da linha de corte estabelecida para a consideração de áreas consolidadas, como as de café, uva, arroz e maçã, entre outras, que existem há décadas em APPs. Não podem ser seus produtores simplesmente lançados na ilegalidade e na insegurança. Estabelecendo a linha de corte em julho de 2008 e proibindo posteriores desmatamentos, o relatório de Aldo Rebelo consegue não apenas dar satisfação a todas as partes envolvidas, como cria um clima de segurança em relação ao futuro.
Há aqui, no entanto, um problema que está criando obstáculos à aprovação final da nova legislação ambiental. Diz respeito, em especial, à necessidade de recomposição ou ao tamanho da preservação de margens de rios. A imensa maioria dos deputados, de todos os partidos, é favorável ao relatório, estabelecendo uma linha divisória entre o antes e o depois, com o reconhecimento do que já foi cultivado. A questão reside em quais seriam essas áreas, suas culturas e quem faria a regularização, o governo federal ou os Estados.
Os deputados, com toda a razão, têm insistido em que isso seja feito em lei, e não em regulamentos administrativos que seriam posteriormente editados pelo governo. Nada melhor do que os representantes do povo, que têm delegação expressa para isto, serem os responsáveis pela legislação do País. Contra isso se insurgem os ambientalistas que propugnam por uma legislação infralegal, por atos administrativos. A razão é clara: eles têm medo do voto, temem a democracia. Se assim não fosse, aceitariam uma votação democrática. Estão por demais acostumados a legislar autocraticamente, por intermédio de seus representantes no MMA. Como se diz de modo popular, “querem ganhar no tapetão”!
O Executivo tampouco tem razão de pedir um voto de confiança para legislar posteriormente por decreto. Esse Poder acostumou-se a legislar, relegando a Câmara dos Deputados e o Senado a posições subalternas. Um pedido desse tipo equivale a uma demanda de servidão voluntária. O Poder Legislativo não se pode curvar, deve é recuperar para si sua prerrogativa de legislar. E a modernização do Código Florestal apresenta-se como a oportunidade de um novo começo.
Alguns poucos representantes da base governamental, alinhados com os ditos “ambientalistas”, têm avançado o “argumento” de que a nova legislação, se aprovada, impediria a exportação de carnes e grãos, que seriam barrados no exterior. Alegação pueril. Primeiro, porque a demanda mundial de alimentos só tende a crescer, prescindindo de tais exigências ambientais. Seres humanos precisam ser alimentados! Segundo, se isso fosse verdade, os EUA e a Europa, por exemplo, não poderiam exportar produtos agropecuários, pois lá não há reserva legal, e APPs, quando existem, não correspondem ao rigor da atual nem mesmo da nova legislação brasileira. As ONGs deveriam fazer campanha lá, não aqui!
Aliás, por que não o fazem?
Fonte: O Globo, 23/05/2011
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