A crise do coronavírus expôs um problema crônico da sociedade brasileira: enquanto faltam recursos para suprir as necessidades da população, o dinheiro dos impostos é destinado para pagamentos de penduricalhos e salários incompatíveis com a realidade. Esta é uma das distorções que as medidas emergenciais frente ao Covid-19 pretendem atacar. O movimento Apoie a Reforma, integrado pelo Instituto Millenium, lançou uma série de ações de contenção dos gastos no setor público. Entre elas, está a articulação pela aprovação do PL 6726/16, em tramitação na Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei busca regulamentar a lista de despesas indenizatórias para funcionários municipais, estaduais e da União. O objetivo é evitar que elas estejam acima do teto do funcionalismo. O texto também traz limites de remuneração no caso de acúmulo de cargos públicos para impedir que os salários ultrapassem o limite constitucional. A expectativa é de um ganho fiscal de mais de R$ 2 bilhões ao ano, a partir de 2020.
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Priscila Pereira Pinto, CEO do Instituto Millenium, reforça a importância da medida, sobretudo diante do atual cenário. “Acreditamos que as leis, sacrifícios e deveres são iguais para todos. Hoje, numa crise nunca vista como essa, precisamos que o poder público dê a sua contribuição e seja solidário com todos os brasileiros. Pedimos ao Congresso que acabe com os supersalários, com os privilégios e penduricalhos que não têm mais cabimento na realidade em que estamos vivendo”.
Momento é uma oportunidade
O cientista político Paulo Moura acredita que estamos em um cenário de oportunidade para aprovação de reformas estruturais, que pode não se repetir futuramente. As medidas têm a capacidade, segundo Moura, de encaminhar soluções duradouras para a questão fiscal, com mais racionalidade e liberdade de mercado. Neste sentindo, o especialista do Instituto Millenium explica que a folha de pagamento do setor público é um dos pontos que merecem atenção. Ouça abaixo!
Ele conta que, além dos salários altos e incompatíveis com a realidade do mercado, há mecanismos de concessão de benefícios a determinados segmentos do setor público, que compõem a elite do funcionalismo, fazendo com que os rendimentos sejam maiores que o teto estabelecido, mesmo em um cenário de congelamento de salários. Hoje, os pagamentos mensais não podem ultrapassar os R$ 39, 2 mil. Moura reforça que essa distorção causa um crescimento desenfreado da folha, atingindo tanto funcionários ativos, quanto os inativos.
“Os penduricalhos são benefícios salariais embutidos legalmente na folha de pagamento para segmentos do funcionalismo público”, explica, exemplificando:
“Fui consultor de uma prefeitura do interior e se constatou que os procuradores do município embutiram na lei, aprovada na Câmara dos Vereadores, uma premiação por desempenho. Ou seja, a quantidade de processos que cada um lidava garantia uma premiação, que não estava relacionada à taxa de sucesso. Isso quer dizer que, perdendo ou ganhando a ação para a prefeitura, o advogado do setor público era premiado. Ali criou-se um percentual descontrolado de aumento de salários desses advogados que ultrapassavam o do próprio prefeito e chegavam a extrapolar o teto de gastos constitucional”.
No caso do poder Judiciário, de acordo com Moura, houve um acordo para acabar com os penduricalhos. Para isso, esses benefícios extras foram incorporados ao salário sob o pretexto que, a partir dali, parariam de existir. Passados um ou dois anos, eles começaram a criar novos penduricalhos: auxílio-alimentação; pagamento de plano de saúde; auxílio-paletó etc. Para o especialista, tratam-se de “artifícios utilizados para assaltar os cofres públicos dentro da lei”, além de serem mecanismos “maliciosos” e “difíceis para combater”. Nessa briga por mais dinheiro, ganha a categoria que tiver mais influência entre os legisladores para aprovar projetos em causa própria.
Moura reforça que o momento é colocar a população brasileira no foco das questões públicas. “Acredito que nesta crise provocada pela epidemia do coronavírus, em que o dinheiro público vai escassear, o Brasil está mais suscetível a aceitar o argumento de que há prioridades maiores para atender o povo brasileiro do que engordar os salários da elite do funcionalismo público”.