“Uma transação econômica é um problema político resolvido”. (Abba Lerner)
Hoje, todo o nosso processo eleitoral é distorcido por práticas nebulosas, algumas criminosas, outras apenas condenáveis, a começar pela transformação paternalista do direito de votar em obrigação do eleitor. Assim é que são inúmeros, na imprensa e na justiça eleitoral, os casos relacionados de compra de votos, com recursos de origem duvidosa, dando ensejo, inclusive, a problemáticas perdas futuras de mandato. Quando a compra de votos não se dá através de dinheiro vivo ou regalos de campanha, dá-se, após as eleições, por meio de empregos oferecidos e, até, de facilidades para corrupção em negócios com o governo e suas empresas. Como as promessas de voto podem ser descumpridas no recato da cabine eleitoral, surge todo um criativo aparato de “checagem” para que compromissos assumidos por eleitores e cabos eleitorais sejam mantidos diante das urnas.
Em havendo a falta de transparência e a criminalização do “mercado negro” para a conquista de votos, configura-se um processo indesejável semelhante ao verificado para o mercado de drogas, onde a caracterização de um ato criminoso acaba determinando uma cadeia de crimes correlatos muito mais perniciosa que o crime original que se pretendia reprimir.
Cabe indagar por que, encarado o voto como um direito pertencente ao cidadão eleitor, sobre o qual só a ele caberia decidir, não poderia este cidadão negocia-lo livremente, transferindo-o para alguém que atribua valor maior ao ato da escolha democrática? Não é desta mesma forma que se permite levar a mercado qualquer direito, bem ou serviço legal numa sociedade capitalista? Não é sob o mesmo princípio que encaramos com toda a naturalidade a transferência de direitos de votos, via procuração, nas eleições de clubes e condomínios? Afinal, as partes inequivocamente sairiam lucrando na troca, a não ser que a parte mais frágil esteja sendo ludibriada em relação ao que venha a ser feito com o seu direito de voto, agora transferido para outrem.
Note-se que a negociação em exame contém uma sutil particularidade. Quando um bem qualquer troca de mãos, normalmente cessam os efeitos da transação sobre quem trocou seu bem por dinheiro. (Quem vende um carro, não imagina possa ser atropelado pelo comprador, pois não?). No caso em exame, o direito de voto vendido poderá implicar em ações políticas futuras contrárias ao interesse do vendedor, mormente quando estamos tratando de eleitores pouco informados. Necessário, portanto, que se saiba o que será feito do voto, para que se garanta o benefício de todas as partes envolvidas.
O problema posto pode ser resolvido através da realização de leilões, nos quais Partidos políticos, isoladamente, com programas de governo bem delineados e amplamente informados, e com lista definida de candidatos, se apresentariam para comprar direitos de voto. Os votos assim recolhidos seriam destinados à legenda e o eleitor vendedor estaria sabendo exatamente o uso a que se destinam. Partidos políticos competiriam entre si nestes leilões em processo aberto e transparente, que retiraria o caráter de crime das negociações. Desnecessário ressaltar que, ao potencial eleitor, estariam abertas as possibilidades de votar, não votar ou transferir seu direito de voto, recebendo benefícios pecuniários ou não.
Note-se que outras formas têm sido pensadas para defender a democracia de votantes desinteressados e descompromissados com os resultados de seus atos políticos. Uma delas é a eleição indireta dos membros do Executivo por representantes escolhidos para a atividade parlamentar, solução “meia-sola”, por certo, já que não impediria uma representação popular exercida por um Tiririca, por exemplo. Outra é a limitação do direito de voto a cidadãos com um mínimo razoável de escolaridade, o que traria óbvias injustiças, pois nada impediria que um iletrado tivesse mais responsabilidade e consciência política que alguém com título de doutor. Por fim, é comum a defesa da idéia de conceder o direito de voto apenas aos contribuintes de impostos diretos (impostos sobre a renda e a propriedade), sob o argumento de que “quem paga a conta é que deve mandar”, no que se esquece que, por meio da tributação indireta dos vários bens de consumo, somos todos, no frigir dos ovos, contribuintes.
Verdade é que, em todos estes casos de elitização do processo democrático, estaríamos fazendo juízos a priori sobre a incapacidade de alguns segmentos da população e/ou estaríamos gerando nítidas injustiças contra cidadãos, responsáveis e conscientes, que se veriam despojados do direito de votar, em função de critérios estabelecidos ad hoc. Mais sério, ainda, estaríamos contrariando o sagrado princípio da igualdade perante a lei, um dos sustentáculos da Democracia, o que não ocorreria na nossa proposta de direito de voto concedido a todos, com livre transação posterior, onde a cada cidadão seria dada a oportunidade de agir segundo sua vontade soberana, abertas todas as possibilidades de uso de suas prerrogativas
Em síntese: cidadãos não devem ser tratados paternalisticamente, como se não soubessem o que melhor lhes convém. E a experiência dos povos nos ensina que a forma mais adequada de resolver os problemas que se colocam na vida em sociedade é através de negociações livres e transparentes efetivadas no mercado. O nosso regime econômico recomenda, como regra, que os bens e serviços disponíveis fiquem com quem lhes atribui o maior valor. O direito de votar, tomadas as devidas cautelas, não deve ser exceção.
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