O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, recusa fortemente a acusação de que as verbas para enchentes recebidas pelo estado tenham a ver com uma política fisiológica, ou com o aparelhamento do Ministério da Integração Nacional, que seu partido, o PSB, ocupa por meio de Fernando Bezerra.
Ele telefona para reafirmar que todas as verbas foram autorizadas pela presidente Dilma Rousseff pessoalmente, logo no início de seu governo, quando uma das regiões mais pobres de Pernambuco foi atingida pela terceira enchente em dez meses, entre 2010 e 2011.
Na descrição do governador, as enchentes transformaram uma situação “dura e difícil socialmente” daquela região, “uma das mais pobres de Pernambuco”, em um “quadro de guerra”.
Mais de 80 mil pessoas foram atingidas, cerca de 25 mil ficaram sem moradia, 300 escolas foram destruídas pelas águas, linhas férreas, transformadas em montes de ferro.
Dezesseis cidades ficaram sem água e energia, foi realizado o maior resgate aéreo de todos os tempos e mil pessoas passaram mais de um ano vivendo em tendas.
Eduardo Campos diz que, se tivesse feito gestões pessoais junto ao Ministério da Integração Nacional para passar à frente de outros estados na obtenção de verbas, “estaria no meu papel de defender o estado, e a imprensa, no papel dela de denunciar o privilégio”.
Mas ele garante que nada disso aconteceu, e que a decisão sobre a prioridade para as obras em Pernambuco saiu de uma conversa que teve com a presidente Dilma.
“Lembro perfeitamente da conversa que tivemos ao telefone”, diz-me o governador, reproduzindo de memória o diálogo com a presidente, que fora empossada recentemente. A iniciativa de telefonar partiu dela, depois da terceira enchente:
— Outra vez, Eduardo — lamentou a presidente, que já lidara com os problemas das enchentes anteriores quando era chefe da Casa Civil no governo Lula.
— O que é preciso fazer? Quanto custa? — perguntou Dilma, de maneira direta.
— R$ 500 milhões — respondeu o governador.
Com a mesma rapidez, a presidente reagiu:
— É muito dinheiro, não tenho como ajudar. Estou tendo que cortar custos.
Foi na época em que o governo anunciou o corte de R$ 50 bilhões no Orçamento para equilibrá-lo. O governador Eduardo Campos fez uma proposta:
— A cada real que o governo colocar no projeto de prevenção de enchentes, o estado coloca outro.
Como consequência da conversa, o Palácio do Planalto divulgou uma nota oficial no começo de maio de 2011 anunciando que faria o projeto de prevenção de enchentes com o governo de Pernambuco.
Os estudos foram realizados pelo Instituto de Tecnologia de Pernambuco, utilizando a memória do que fora feito em Recife, que também sofreu muito com enchentes.
Entre 1966 e 1975, foram construídas quatro barragens, e a última foi concluída no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Para a região em causa, é preciso construir cinco barragens, além de casas populares, recomposição das matas ciliares, reconstrução de pontes.
O programa Minha Casa Minha Vida está construindo 16 mil casas, e o governo de Pernambuco subsidia as moradias para os que ganham de 0 a 3 salários.
Como diz Eduardo Campos, grande parte dos projetos está sendo financiada com dinheiro “azul e branco”, as cores de Pernambuco.
Todo esse quadro indica, para o governador, uma mobilização para reformas estruturais necessárias à região que tem tudo a ver com a função do Ministério da Integração Nacional.
“As obras são de interesse também de Alagoas, que sempre sofre com as enchentes de Pernambuco”, ressalta.
O que para muitos representa um acordo tácito do PSDB com o PSB com vistas a uma ação eleitoral coordenada em 2014, quando Eduardo Campos poderia apoiar a candidatura de Aécio Neves à Presidência da República, ocupando quem sabe a vice na chapa tucana, para o governador de Pernambuco nada mais é do que o entendimento das políticas públicas que estão sendo executadas.
O governador Teotônio Vilela, do PSDB, apoiou as obras porque beneficiam também Alagoas. O governador Antonio Anastasia, de Minas, também não reclamou porque sabe os problemas que Pernambuco enfrenta. E também Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, não acusou Pernambuco de estar sendo beneficiado por métodos escusos.
Isto é, nenhum governador de outros estados também afetados pelas chuvas, como Minas e Rio de Janeiro, reclamou de um suposto privilégio de Pernambuco: “O Anastasia não reclamou, o Sergio Cabral não reclamou, o Teo Vilela apoiou. Eles sabem que não houve privilégios”.
Para Eduardo Campos, o que há é muitos problemas e pouco dinheiro.
Na versão do governador, há um histórico de políticas fisiológicas no Ministério da Integração Nacional que contamina as decisões técnicas que estão sendo tomadas, mas ele rejeita a pecha de que esteja aparelhando o Ministério da Integração Nacional sob o comando de Fernando Bezerra.
Esse debate em torno de privilégios para Pernambuco está até mesmo trazendo dividendos eleitorais para seu governo, pois os eleitores acham que ele está defendendo os interesses do estado.
Ao mesmo tempo, Eduardo Campos teme que as críticas revolvam a percepção de um sentimento antinordestino que “não serve para o país”.
Toda essa crise poderia ter sido evitada, admite Eduardo Campos, se o Palácio do Planalto tivesse desde o primeiro momento confirmado que as obras eram necessárias e tinham a autorização da presidente Dilma.
O mal-entendido não quer dizer que o governador, um dos mais importantes aliados do governo Dilma, tenha razões para mudar de posição. Mas a compreensão dos tucanos e a possibilidade de que Ciro Gomes — hoje adversário de Campos dentro do PSB — assuma um papel importante no governo Dilma só fazem ressaltar as difíceis relações do PSB com o PT.
Fonte: O Globo, 06/01/2012
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