Este é o primeiro de uma série de artigos analisando a intermediação bancária, seu potencial, as barreiras que devem ser superadas e propostas para melhorar o sistema. É um momento oportuno para a tarefa, quando a legitimidade da contribuição do setor ao país está sendo duramente questionada.
Na campanha presidencial, gestores de bancos estão sendo criticados; mais preocupante é que nenhum representante deles, inclusive do Banco Central, saiu em defesa do sistema. A ausência de reação mostra a total falta de comprometimento com mudanças, lamentável!
Os bancos têm méritos respeitáveis: são sólidos e rentáveis, oferecem serviços de pagamentos eficientes, têm uma rede de atendimento abrangente e empregam mais de 600 mil pessoas diretamente e um número maior ainda indiretamente.
Mesmo assim, são criticados, e com razão. É incontestável, há falhas graves na intermediação bancária, mas que, com correções, podem ser superadas, fazendo com que seu papel no crescimento do país seja expressivo. É fato também que, a medida que passa o tempo, devido à pasmaceira, os problemas causados por suas disfunções se agravam e o sistema se torna uma âncora cada vez mais pesada para a economia.
Os juros pagos pelos tomadores de crédito correspondem a 20% do PIB. Atualmente, é a maior financeirização na economia mundial. É inconsistente, não pode continuar assim indefinidamente.
O país está também vivendo a maior crise de inadimplência da história, apesar do baixo desemprego. A morosidade dos pagamentos de clientes aos bancos se estabilizou, mas foi transferida para as demais instituições da economia, travando o crédito mercantil das empresas e emperrando as engrenagens do comércio.
Apenas uma pequena fração dos recursos emprestados pelos bancos é destinada para investimentos, a quase totalidade das concessões é para a rolagem de dívidas existentes. Colocam a economia num círculo vicioso de juros maiores, prazos mais curtos e menos crescimento, que deve ser revertido.
Os juros ilustram como a intermediação está deturpada. A taxa básica, a Selic, está entre as mais altas do mundo e, mesmo assim, há consenso entre os analistas de que tem que ser elevada após a eleição. Além das falhas na condução da política econômica, há mais distorções que explicam o valor tão alto.
Mais grave é o que é cobrado aos tomadores de crédito. Os valores variam de 5% ao ano para grandes empresas com prazos longos, em alguns casos com períodos de carência, a mais de 500% ao ano por prazos curtos para pequenos tomadores. A precificação de crédito no Brasil é perversa e única no mundo.
A maior parte do que é pago pelos devedores, pessoas físicas e jurídicas, é transferida por meio do sistema bancário para aplicadores, nacionais e estrangeiros, incentivando a atividade mais lucrativa e segura do Brasil: viver de renda. Urge mudar.
A prioridade deve ser corrigir o foco do debate, que está distorcido. Nos últimos anos ficou concentrado na meta de inflação e na fixação da taxa Selic, com prejuízo das demais funções do sistema bancário.
Temas como a inclusão financeira, a inadimplência, a proteção do pequeno tomador, o custo do crédito, indexação, a transparência, mecanismos de transmissão e modelo de negócios dos bancos, para citar alguns, ficaram num segundo plano.
Houve uma tentativa de mudança, com a “cruzada do crédito”, entretanto, o resultado foi duplamente desfavorável. Por um lado, apesar de bem intencionada, a estratégia adotada estava equivocada e os resultados mostram um agravamento da dinâmica do crédito, por outro, o assunto virou tabu e ficou ainda mais apagado.
No debate entre os candidatos à Presidência, o tema foi abordado marginalmente, demonizando os banqueiros. Esquece-se uma realidade básica, bancos lucram mais com mais crescimento e emprego, pois aumenta a demanda de crédito e diminui a inadimplência, portanto, lhes convém o desenvolvimento do Brasil, e não o contrário.
Países mais ricos têm uma relação crédito/PIB mais elevada, mais estável e os bancos atuam como propulsores de suas economias. Seu potencial de contribuição é elevado, mesmo assim o sistema bancário brasileiro opera na metade de sua capacidade e quase nada é feito para mudar esse quadro, nem pelo governo e nem pelas instituições.
Os banqueiros brasileiros não são mais gananciosos que os industriais ou os varejistas. A crítica que se pode fazer ao empresariado nacional é o conservadorismo. Querem mudar mantendo tudo como está.
Note-se que instituições financeiras que atuam aqui operam em outros países com estabilidade da oferta, transparência, taxas menores, prazos maiores, menos inadimplência e níveis de rentabilidade nos mesmos patamares do que os brasileiros. Se é possível no exterior, é também aqui.
Outra preocupação dos presidenciáveis é o grau de autonomia do Banco Central como forma de baixar os juros básicos. Entretanto, deveriam visar a redução de todas as taxas, não apenas a Selic, e quais são as melhores escolhas para essa tarefa.
O que deveria ser objeto de inquietação dos candidatos é o que deve ser feito para que o sistema financeiro nacional tenha uma contribuição altamente positiva para o desenvolvimento do Brasil.
O sistema bancário é sólido e rentável, mas tem que ser também inclusivo, eficiente, estável, inovador e adequado às demandas da economia brasileira nos próximos anos. É uma tarefa para o próximo presidente.
Fica a sugestão aos candidatos que além da meta de inflação, tenham também metas de redução da inadimplência, de inclusão financeira, de estatização do sistema, de elevação da relação crédito/PIB e de diminuição das margens (spreads) de crédito, acompanhadas de propostas para cumprir os objetivos.
O país necessita de uma política bancária consistente que alinhe interesses privados com sociais, que proporcione mais desenvolvimento e que gere lucros com mais legitimidade. É possível.
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2014.
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