Em um esforço para reduzir despesas, o governo anunciou em julho que pretende economizar R$ 7,1 bilhões anuais em cortes em benefícios previdenciários e assistenciais que são oferecidos de forma irregular. Estão inclusos na conta gastos da União com auxílio-doença, aposentadoria por invalidez de longa duração e com o Benefício de Prestação Continuada (BPC). No alvo do “pente-fino” estão benefícios concedidos há mais de dois anos e que não foram revisados. O plano para a revisão do auxílio-doença é o mais avançado. No total, 530 mil beneficiários já foram acionados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para fazer a perícia médica. Para que isso seja possível, médicos farão uma força-tarefa, trabalhando fora do horário do expediente. A informação foi dada por Francisco Bessa, secretário federal de Controle Interno do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, após participar do Congresso Brasileiro de Auditoria Interna (Conbrai), que acontece nesta semana em São Paulo.
“Essas condições foram pactuadas com a direção do INSS. E eles [os médicos] receberão um valor específico para cada perícia realizada”, disse. Segundo Bessa, o pente-fino em benefícios sociais não tem como objetivo exclusivo o ajuste fiscal. “É claro que há uma preocupação com o ajuste fiscal, mas a política pública também tem o seu endereçamento ao cidadão que, de fato, precisa dela”, defendeu. Neste ano, a meta fiscal do governo é de um rombo de R$ 170,5 bilhões, montante que deve ser reduzido para R$ 139 bilhões no ano que vem.
Na conversa, Bessa também comentou os trabalhos da pasta na condução da pesquisa sobre a aplicação de recursos federais em municípios brasileiros e também sobre a dificuldade de gestão do Bolsa Família. Confira a entrevista.
Época – No caso da Petrobras, o presidente, Pedro Parente, acredita que o aumento de mecanismos de controle interno formal não se refletiu em uma redução da corrupção na empresa. De forma geral, em estatais, o senhor concorda com essa lógica?
Francisco Bessa – Sim. Se um controle interno for a burocracia para, por exemplo, verificar se as folhas de um processo estão carimbadas, é meramente formal. Não agrega valor, só burocratiza. Temos de ter a capacidade de desenhar controles que nos ajudem a garantir que os riscos sejam sustentados. Não se pode abrir mão dos controles necessários. No caso das estatais, é preciso que tenhamos os mecanismos de coleta de denúncias muito bem posicionados, como ouvidorias e canais de denúncia. Eles são fundamentais e devem ser conhecidos pelos colaboradores, para que sejam usados de forma segura.
Época – Como está evoluindo o trabalho de fiscalização da regularidade da aplicação dos recursos públicos federais em 70 municípios brasileiros?
Bessa – Estamos fechando os trabalhos do 3º Ciclo do Programa de Fiscalização em Entes Federativos [PFEF]. Nesse levantamento, fizemos um sorteio aleatório para verificar o uso de R$ 10,4 bilhões que foram descentralizados para prefeituras. Serão fiscalizados programas de incentivo financeiro para vigilância em saúde e programas de alimentação e transporte escolar. Para o primeiro semestre do ano que vem, faremos uma seleção de mais 70 cidades pela matriz de vulnerabilidade, ou seja, municípios em que há indícios de mau uso dos recursos federais. Divulgaremos a relação desses municípios em novembro deste ano.
Época – Quais os tipos de irregularidades mais comuns identificadas nos municípios?
Bessa – Alguns casos se repetem. Quando fiscalizamos merenda, por exemplo, do município mais rico ao mais pobre, temos preparo e conservação inadequadas, falta de nutricionista, em um programa que tem um apelo social grande. Na área da saúde, os recursos do SUS que são repassados, há uso de instituições privadas para cumprir atendimento que deveria ser público. Há desvios de recursos, licitações com indícios de fraudes. Nas contratações de obras, o mais comum são empreendimentos inacabados. O governo do estado não consegue garantir que a obra seja finalizada, e ela fica no meio do caminho. Em aquisições menores, como de alimentos, a montagem de processos mostra conluio entre os participantes, por exemplo. Esse tipo de padrão é recorrentemente identificado.
Época – Um cruzamento de dados feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrou que doações de beneficiários do Bolsa Família a candidatos às eleições municipais alcançaram R$ 16 milhões neste ano. Isso passou pelo Ministério da Transparência?
Bessa – Não temos nenhuma verificação sobre essa questão específica. O Bolsa Família é um programa que viemos acompanhando desde seu nascedouro. Ele tem uma execução complexa. Parte de uma coleta de declaração feita pelo agente municipal, que recebe a família e registra os dados declarados por ela. A gestão, portanto, é compartilhada entre União e municípios. Em um programa que parte de uma coleta declaratória, que atende 14 milhões de famílias – ou cerca de 45 milhões de pessoas –, não ter problemas seria o paraíso. É óbvio que haverá problemas. Isso não quer dizer que não tenhamos de reforçar os controles. O Ministério do Desenvolvimento Social [MDS] está fazendo isso. Novas normas devem ser editadas para garantir um maior rigor na entrada do programa para evitar esse tipo de situação.
Época – No caso do auxílio-doença, que é um benefício que o governo está passando um pente-fino, já que muitos brasileiros estariam há mais de dois anos sem passar por uma perícia. Qual é o impacto nas contas do governo?
Bessa – Serão economizados R$ 6,3 bilhões anuais com a revisão do auxílio doença e aposentadoria por invalidez. Fizemos um relatório e entregamos ao Cemape [Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas], formado pelos centros de governo [ministérios do Planejamento, Fazenda e Casa Civil]. O assunto foi discutido com o MDS à mesa. Foi pactuado o encaminhamento para a correção de rumos. Com as revisões, alguns benefícios devem ser suspensos por serem inadequados. Dentre os benefícios assistenciais, o que temos um plano mais concreto é o auxílio-doença. Parte dos benefícios já poderia ter sido cancelada. Para que isso seja possível, é preciso fazer a perícia médica, que vai indicar se a pessoa está capacitada ou não a voltar ao mercado de trabalho.
Época – O que impedia a concretização dessas perícias? E o que será feito para que, enfim, elas sejam realizadas?
Bessa – Havia uma dificuldade operacional. O INSS não conseguia dar vazão ao volume de perícias que tinha de fazer. Para que isso aconteça, desta vez será feita uma força-tarefa com os médicos peritos. Eles trabalharão fora do horário do expediente. Essas condições foram pactuadas com a direção do INSS. E eles receberão um valor específico para cada perícia realizada. Mas as perícias feitas dão conta de que, mesmo com o pagamento dessa “hora extra” para os peritos, ainda assim haverá um benefício em função dos ajustes que serão feitos nos benefícios que não são mais devidos.
Época – Qual a estimativa de auxílios-doença que estão sendo oferecidos de forma irregular?
Bessa – Houve certo ruído na comunicação, depois que soltamos um release com um percentual errado. Na auditoria que fizemos, verificamos até 45% de benefícios com algum indício de que não deveriam estar sendo pagos. Isso deve ser checado na perícia médica. Pode haver um falso positivo. Portanto, esse número deve ser menor. Em um primeiro momento, 530 mil beneficiários do auxílio doença já foram acionados para agendar a perícia. Isso deve se estender por até dois anos. O percentual de 45% foi identificado tendo por base levantamento de maio de 2015, quando 721 mil benefícios [de um total de 1,6 mihão] estavam em manutenção há mais de dois anos. Os números atualizados do próprio INSS indicam que 839 mil pessoas [em torno de 52% do volume total de benefícios] estão recebendo o benefício há mais de dois anos, a maior parte sem que tenha havido a perícia médica do INSS para constatar, de fato, a permanência da incapacidade laborativa.
Época – O objetivo principal dessa revisão no auxílio doença é o ajuste fiscal?
Bessa – Não é só uma questão de cortar benefícios para fazer o ajuste fiscal. É claro que há uma preocupação com o ajuste fiscal, mas a política pública também tem o seu endereçamento ao cidadão que, de fato, precisa dela. É preciso garantir que quem precisa seja mantido benefício e, quando retiramos aqueles que estão em condições de voltar ao trabalho, também garantimos que outras pessoas possam acessá-los de forma correta.
Fonte: “Época”, 29 de setembro de 2016.
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