Setenta milhões de brasileiros compraram algum produto pirata no último ano. Setenta milhões! Isso equivale à metade da população acima dos 16 anos. A grande maioria, quase 80%, compra CDs e DVDs e fez mais de uma aquisição no período pesquisado pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-Rio).
Digamos que sejam quatro compras, em média, por pessoa. Temos, pois, algo como 280 milhões de “pequenos crimes” cometidos por cidadãos, digamos, legais.
O consumidor, em tese, não necessariamente sabe que está praticando uma pirataria. Ele não precisa ir a um beco escuro, com um maço de notas no bolso, para trocar por um DVD escondido num saco de papel. Faz a compra às claras, em lojas, quiosques em galerias lotadas ou mesmo em camelódromos instalados em locais inteiramente públicos.
Se quiser nota fiscal, não a eletrônica, receberá. É verdade que às vezes o vendedor dá bandeira e pergunta ao cliente: qual valor quer na nota? Mas como o consumidor faz tudo em público, pode sustentar como boa a presunção de que, se o comércio está ali, à vista de todos e inclusive das autoridades, só pode ser legal. O vendedor no balcão – não o dono do negócio – pode alegar a mesma coisa. Está ali, trabalhando à vista de todos, logo… Isso pode até colar nos tribunais.
Agora, vamos falar francamente. Todo mundo sabe que é pirata. Na verdade, as pessoas procuram aquele comércio porque sabem que lá é mais barato, muito mais barato. Todo mundo sabe também que há dois tipos de produto pirata: um é inteiramente falsificado, uma cópia geralmente de pior qualidade; outro é o produto legítimo, mas contrabandeado. Este é um pouco mais caro, conforme regras conhecidas neste meio.
Assim, não temos mais a presunção de inocência, mas um consentimento tácito com a prática de um crime. E aqui está o verdadeiro problema: a tolerância com os “pequenos crimes” está na cabeça das pessoas, na cultura da sociedade. Atenção, não está apenas na cultura popular, pois, pela pesquisa da Fecomércio-Rio, ainda que a maior parte dos compradores esteja nas classes mais pobres, metade das pessoas das classes A e B também adquire pirataria.
Comprar no comércio ilegal aparece como comportamento semelhante a uma pequena sonegação no Imposto de Renda, uma consulta sem recibo, um empregado contratado sem carteira assinada e por aí vai.
Para alguns, é pura esperteza – “Eu não sou trouxa de pagar R$ 35 por um CD, se tem ali na esquina por R$ 2”. Outros tentam apresentar a compra pirata como um ato de rebeldia, uma espécie de protesto contra o capitalismo – “Eu que não vou dar dinheiro a essas empresas e esses caras”. Outros, ainda, apresentam sua atitude como um ato político contra o sistema – “Eu vou pagar impostos para esses políticos roubarem?”
Todas essas três categorias sabem que estão enganando. Sabem perfeitamente que estão cometendo um crime, mas o consideram comportamento normal nesta sociedade. Matar alguém não pode. Mas “pequenos” delitos, por que não, se todo mundo faz?
Trata-se, pois, de um problema cultural e político. A pessoa, aqui, chega à elite da sociedade – por dinheiro, por eleição ou por nomeação – e a primeira coisa que lhe ocorre é que não precisa mais respeitar a lei e as normas. Fura fila, compra ingresso sem entrar na fila, estaciona em local proibido, passa no sinal vermelho (reparem como veículos oficiais cometem todos esses tipos de infração), tira carteira de identidade no gabinete do chefe da seção, acha natural o tratamento especial, vip. Jovens subindo na vida, mas que ainda não chegaram lá, ambicionam esse tratamento e, para começar, já vão, por exemplo, estacionando em vaga de idoso.
Ora, nesse clima, por que não comprar pirata, mesmo que a pessoa tenha dinheiro para comprar no legal? Para essa gente, o problema não é o dinheiro, mas a esperteza, a malandragem, o tirar vantagem.
O que nos conduz a um outro lado dessa história, o das pessoas que compram o produto pirata porque não têm como adquirir o legal. Essas são, digamos, as menos culpadas. Sabem que não estão fazendo a coisa certa, mas não resistem à tentação. Compram o último filme pirateado porque essa é a única possibilidade. E dizem que comprariam no legal, se fosse mais barato.
E aqui caímos no custo Brasil. A produção e o comércio legais pagam juros elevados pelo capital, impostos exagerados, gastam recursos com obtenção de licenças, alvarás de funcionamento, pagamento de taxas diversas. É caro e complicado fazer negócio honestamente no Brasil.
Essa é a causa poderosa da informalidade e da pirataria. Há pequenos e até médios empreendimentos que simplesmente não sobreviveriam dentro da lei. Isso os coloca diante de um dilema: na informalidade, não podem crescer além de um certo ponto, limitado; formalizados, correm o risco de morrer prematuramente. Em qualquer caso, o prejuízo é da economia nacional.
São, pois, dois problemas. Um cultural, outro econômico. E o papel mais feio é dos ricos e das elites.
Publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”
ORA, PARE, SARDENBERG.
NA CBN VC É ÂNCORA E NÃO COMENTA NADA, É UM ÂNCORA BUNDA MOLE – PERDÃO – NÁDEGAS FLÁCIDAS…
Espera aí carinha francisco , você não está no meio da sua gente , sem postura e compostura , aqui só tem gente que dá o recado pela argumentação inteligente.
Quer discordar use a inteligência ou será que…….
Vamos ter mais educação e compustura na hora de comentar.
Corrigindo: Vamos ter mais educação e compostura na hora de comentar.
Não faço com a intenção de criticar evangélicos. Não é esse o ponto da minha observação. Minha esposa é profundamente evangélica, mas vez por outra compra(va) um CD pirata. Depois de ler este artigo resolveu mudar (o que ela chama de, ‘mudar de idéia’). Na verdade, mudando ou não, ela refletiu um dos pontos do artigo: a coisa é realmente, e também, cultural!