De todas as tragédias trazidas pela covid-19 ao Brasil uma das mais angustiantes é a devastação que a necessidade de combater o vírus está causando nas escolas. Esqueça um pouco a universidade e os colégios particulares; a calamidade que mais importa é a do ensino básico na rede pública de educação. Estudam ali, hoje, cerca de 50 milhões de crianças e adolescentes. Basicamente, não tiveram aulas em 2020 – e estão simplesmente condenados a perder o ano. É claro que os governos sempre podem assinar um papel fazendo todo mundo passar para o ano seguinte do currículo. Mas é impossível ensinar alguém por decreto. O que esses 50 milhões de garotos não aprenderam em 2020 não será mais aprendido; a matéria que não foi dada pode ser socada em cima dos alunos, em forma de ensino “condensado”, quando as escolas voltarem a funcionar, mas uma hora perdida é uma hora perdida. Não há como criar o tempo de novo.
Tudo o que esses 50 milhões de jovens não precisam, hoje ou em qualquer época, é perder um ano de escola. São os mais pobres – e, portanto, a imensa maioria – e os que mais precisam adquirir conhecimento para ter alguma oportunidade objetiva de levar uma vida melhor que a dos seus pais. Como observou um editorial recente de O Estado de S. Paulo, citando palavras do secretário-geral da ONU, não há nenhuma esperança de se reduzir as desigualdades sociais, econômicas e culturais sem fornecer educação de qualidade aos jovens – é aí que está “o grande equalizador”. Não há distribuição de dinheiro, ou de casas, ou de “quotas” capaz de substituir o avanço que a educação pode trazer para a condição social de um ser humano; não há “programas sociais”, nem “políticas públicas”, com a potência que uma boa instrução tem para possibilitar o acesso ao trabalho mais bem remunerado, às oportunidades de realização pessoal e ao conjunto de condições que compõem uma existência distante da pobreza.
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A perda do ano letivo de 2020 é com certeza uma das piores notícias que a questão social poderia receber no Brasil de hoje. Não há nenhum causador mais efetivo de pobreza, desigualdade, concentração de renda e injustiça do que a falta de instrução que castiga a maioria da população brasileira. Num país em que a atividade econômica está sofrendo como nunca, e continuará a sofrer nos próximos meses, a distância entre os brasileiros vai se tornar maior ainda do que já é. Não apenas os jovens das classes mais modestas sofrem um prejuízo real e imediato. Os alunos das escolas particulares, de um jeito ou de outro, vão acabar aprendendo mais durante este período de desgraça – e o fosso, em vez de diminuir, vai crescer.
Ouve-se falar muito, desde o início da paralisação trazida pela epidemia, da utilização de novos métodos de ensino, baseados no computador, que permitam um ensino a distância mais efetivo; fala-se em “inclusão digital”, “escolas virtuais” e outros portentos. Mas isso tudo, na vida real, tem significados diferentes de acordo com o dinheiro que as pessoas têm no bolso. O “ensino remoto” é uma coisa para a moçada que está em escolas particulares onde se cobram mensalidades de R$ 5 mil, ou por aí. Para a massa dos estudantes da rede pública é completamente outra. As duas realidades não têm praticamente nada a ver entre si. Como ensinar por computador alguém que não tem computador? Como dar aulas pela internet onde não há internet? De novo: está se falando de 50 milhões de alunos. Não há a menor possibilidade de que seja mantida a distância, já muito grande, que os separa dos que estudam na rede particular. Ela vai ficar muito pior, e a conta vai aparecer no futuro.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 9/8/2020