Há alguns anos, um personagem secundário da Jovem Guarda me processou por ter sido citado em meu livro Noites tropicais como envolvido, junto com outros artistas, em um escândalo com fãs “de menor” em 1965.
Sem me ouvir nem ler o livro, o juiz lhe deu ganho de causa e arbitrou uma indenização que levaria à falência a Editora Objetiva, uma das maiores do país. Foi marcado novo julgamento para que o acusado fosse ouvido.
Com os advogados da editora, apresentamos como provas inúmeros jornais e revistas da época registrando os fatos. Expliquei que na cultura da música jovem os envolvimentos com fãs são um clichê recorrente, que esses escândalos são corriqueiros. Contei que muito do que havia no livro me fora narrado por Erasmo Carlos, um dos envolvidos no caso, e que isto em nada havia diminuído a sua biografia de pai de família e grande artista brasileiro.
O escandalozinho banal passou batido pela história e ninguém foi condenado, dizia o livro. Pelas provas apresentadas e o desânimo do advogado adversário, achamos que era caso encerrado.
Surpresa: o meritíssimo manteve sua sentença, argumentando que, mesmo sendo verdadeiro e provado o fato, a história de cada um pertence a cada um, exclusivamente, e mesmo sendo verdade pública o que ele fez ou não fez, só ele tem direito de contá-lo em um livro. Ponto final.
Seria o fim da história. Todas as biografias deveriam ser escritas ou autorizadas pelos biografados, os crimes de Fernandinho Beira Mar só poderiam ser contados por ele, ou com sua concordância. Seria só obtusidade judicial? Ou pior: seria uma aplicação do tal “direito achado na rua”, em que as leis – supostamente feita pelas classes dominantes – podem ser ignoradas pelo magistrado – em favor dos “oprimidos”?
Recorremos ao tribunal superior, ganhamos por 3 a 0 e a sentença absurda foi anulada. Mas é inquietante que em todo o País estejam ocorrendo descalabros semelhantes, provocados por visões voluntaristas e esquerdoides da Justiça. O pior é que eles pensam que estão sendo corretos.
Poucas forças podem causar tantos danos como a burrice bem intencionada no poder.
Fonte: O Globo, 12/11/2010
A ignorancia nao tem preconceito!! Ate juizes podem ser ignorantes…