Submersa em uma crise existencial, a sociedade brasileira encontra-se acossada por ansiedades de complexa terapia. Chegou-se a um patamar de constrangimentos econômicos, sociais, políticos e institucionais do qual será impossível escapar sem gerar, a curto prazo, perdas de várias naturezas em camadas da sociedade. A grande questão agora é definir como as perdas serão distribuídas entre os integrantes dessas camadas, em função de seus diferentes níveis de renda.
No Brasil e outras partes do mundo, o ônus de um esforço de superação de crise ou implementação de reforma estrutural costuma concentrar-se sobre os segmentos menos privilegiados da população. Não é fácil repartir sob um critério de justiça social as consequências penosas resultantes, por exemplo, do disciplinamento das contas fiscais, do combate à inflação, do incremento da competitividade do sistema produtivo e da racionalização da máquina governamental.
Não possuo a receita ideal para conceber tal critério mas, no caso brasileiro, ouso apontar alguns parâmetros que deveriam ser levados em conta. Apesar da inevitabilidade de medidas impopulares, algumas das quais induzem a perda de empregos e danificam regras contratuais e previdenciárias em vigor (tais como a elevação da idade mínima de aposentadoria), existe a possibilidade de compensar esses danos através de uma autêntica política de amenização dos contrastes sociais.
Tal política deslocaria o Bolsa Família como pretenso instrumento básico de combate à desigualdade, passando a atribuindo-lhe um papel complementar mesmo sem diminuir sua dimensão. A nova ênfase caberia a investimentos que beneficiassem proporcionalmente mais as famílias de menor renda, tais como em educação, saúde, transporte coletivo urbano, habitação e saneamento. Cabe então perguntar: como financiar esses investimentos? Bom, essa é uma questão a ser equacionada no âmbito da área fiscal.
Expandir a capacidade de investir do setor público e, ao mesmo tempo, diminuir o déficit orçamentário implica em: a) combater a sonegação tributária; b) suprimir gastos públicos estéreis ou supérfluos; c) atacar a corrupção, o que diminuiria os gastos governamentais; d) simplificar e redesenhar o sistema tributário; e) reduzir subsídios e incentivos fiscais; f) prosseguir com o processo de privatização; g) desburocratizar o relacionamento entre os setores privado e público, fomentando assim a atividade empresarial e, em consequência, a arrecadação tributária. Essas atitudes evitariam as tentativas de aumentar a receita através do simplório expediente de inventar impostos.
O enfrentamento do assustador panorama fiscal constitui a principal fonte de impactos desfavoráveis a serem sofridos pela população. E é nesse campo onde cabe aos segmentos sociais de renda elevada assumir o ônus maior. Se conseguirmos direcionar as perdas de forma a melhorar a capacidade de adquirir bens e serviços das classes média para baixo, o teor recessivo das medidas de ajuste e reforma será suavizado e, até mesmo, eliminado ao longo do tempo.
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