Na passagem para o segundo mandato do atual governo, os principais indicadores macroeconômicos tinham ficado piores que os da média dos países classificados como “grau de investimento”, ou bons pagadores, pelas agências internacionais de risco. Refiro-me especialmente aos relacionados com a dívida pública e o resultado primário, parcela da arrecadação destinada ao seu pagamento. Além disso, as tendências, sem a devida correção de curso, eram de deterioração contínua. Ou seja, tanto o retrato como o filme eram ruins.
Se não fizéssemos algo para evitar a perda do grau de investimento, teríamos à frente mais uma ameaça de crise de liquidez externa e tudo de ruim que isso implica, apesar de termos um dos maiores estoques de reservas internacionais do mundo; já termos dominado a tecnologia para combater nossa velha mazela, a inflação; e de nossa taxa de desemprego ser uma das menores de nossa história.
Entre 2002 e 2008, geramos superávits primários elevados em todos os anos, o que levou à queda sistemática da razão entre a dívida pública líquida de ativos financeiros e o PIB. Além disso, deu-se a virtual quitação da dívida pública externa em dólares. Ou seja, obtivemos – e até hoje mantemos – uma posição credora nas contas governamentais externas. Daí a obtenção do grau de investimento.
Só que, em que pese tudo isso, o atual governo descuidou-se fortemente da situação fiscal em seu primeiro mandato. As autoridades fazendárias até tentaram esconder a forte deterioração das contas, mas em muito pouco tempo os superávits fiscais elevados da fase anterior se transformaram em déficits, e os indicadores de dívida voltaram a se deteriorar.
Por trás, havia a insistência no modelo de aceleração do consumo, quando seus fatores de impulsão já haviam se esgotado e havíamos chegado ao pleno emprego dos fatores de produção. Como resultado, e pelo viés antiprivado, a razão entre o investimento e o PIB e também a produção industrial passaram a cair sistematicamente, levando à atual estagnação da capacidade global de produção. Em vista disso, vieram as desonerações tributárias, os empréstimos subsidiados e os subsídios tarifários para tentar salvar a indústria da perda de competitividade decorrente do mesmo modelo. No final da linha, a estagnação do PIB nos tirou a capacidade de arrecadar impostos, enquanto mantínhamos os gastos a mil por hora.
[su_quote]O drama, agora, é que as metas fiscais indicadas pelo novo ministro se revelaram, na prática, muito ambiciosas para o quadro de rigidez das contas que herdou[/su_quote]
Pouco depois de assumir o segundo mandato, contudo, ao se dar conta da gravidade da situação, mas com clara demonstração de instinto de sobrevivência, o atual governo deu uma guinada de 180 graus. Nomeou um ministro da Fazenda para lá de ortodoxo, com poderes para um amplo processo de correção, começando pelos resultados fiscais e pela política de populismo tarifário. Só que tem havido altos e baixos, especialmente no que diz respeito ao apoio do Congresso e à dificuldade de explicar à população por que a postura da presidente reeleita mudou tanto em relação ao debate eleitoral.
O drama, agora, é que as metas fiscais indicadas pelo novo ministro se revelaram, na prática, muito ambiciosas para o quadro de rigidez das contas que herdou, inclusive pela recessão – só em parte causada pelo ajuste -, assim como pela fraqueza política do governo. Daí a afirmação de analistas locais de que o Brasil caminha para perder o grau de investimento. Os mercados estão inquietos, havendo aumento sistemático da taxa de risco do país, relativamente aos demais emergentes, mesmo sem considerar a crise grega.
O quadro é muito difícil, o debate político em torno do eventual impeachment da presidente se acirrou, mas, como disse o novo ministro em recente entrevista, é preciso perseverar no esforço de mudança, com vistas a demonstrar aos mercados financiadores da dívida pública que o máximo possível de ajuste está sendo feito nas condições do momento, cabendo ter mais paciência com o tempo requerido para chegar aos resultados desejados.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 9/7/2015
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