Para o arquiteto Liu Thai Ker, de 79 anos, as melhores cidades são as que funcionam. Nelas, trabalho e moradia – questões que devem estar na lista de preocupações do poder público – ficam próximos um do outro e medidas como a conservação dos recursos naturais e o controle da poluição não ficam relegadas ao segundo plano.O urbanista é considerado o pai do projeto que transformou Cingapura em referência internacional de sustentabilidade e para a qual previu uma concepção urbana totalmente diferente da que foi herdada dos colonizadores britânicos. Em algumas décadas, a cidade-Estado implementou um massivo programa habitacional e alcançou soluções inovadoras, mesmo com um território restrito e superpovoado.
Quais foram os maiores desafios do plano de modernização urbana de Cingapura?
Nós tínhamos muitos problemas habitacionais e ambientais. O nível educacional não era bom e a primeira geração de políticos depois da independência sentiu que era preciso pensar em novas mudanças para conseguir transformar um país pobre em um país desenvolvido, como oferecer moradia de qualidade para todos e boa infraestrutura.
Como vocês resolveram os problemas de moradia?
No começo, construímos as chamadas “habitações de emergência”, apartamentos de cerca de 23 m². O governo alugaria esses imóveis para cidadãos sem muitos recursos, mas que poderiam pagar um valor baixo. Como isso foi aliado a um programa de criação de fábricas e geração de empregos, as pessoas que antes não tinham condições de pagar aluguel, a partir daquele momento, já conseguiam. Aos poucos, a indústria da construção se tornou mais forte e conseguimos recursos para estender a faixa dos beneficiários aos mais carentes. Outra preocupação era criar uma cidade sem guetos. As famílias mais pobres eram colocadas para morar ao lado das que tinham mais recursos. Crianças de realidades diferentes estudavam juntas, conviviam o tempo todo. Isso também foi pensado para que o país pudesse superar a desigualdade.
Um programa semelhante poderia ser aplicado no Brasil?
É difícil falar com propriedade, por não conhecer a fundo as políticas públicas de habitação das cidades brasileiras. De maneira geral, a chave do nosso programa em Cingapura foi criar uma política sustentável, que não falisse o Estado e nos permitisse oferecer moradias com qualidade cada vez maior para os cidadãos. Esse princípio pode ser usado como referência para qualquer país, inclusive o Brasil.
Por que muitos brasileiros, quando viajam ao exterior, se empolgam com soluções que outras cidades desenvolveram, mas não tentam replicar alguns dos conceitos ao voltar ao País?
Esse é um fenômeno interessante e que não acontece apenas com os brasileiros. Muitas pessoas se impressionam quando visitam uma cidade no exterior que passou por um projeto bem estruturado de planejamento e que conseguiu superar alguns dos problemas que são comuns à maioria das grandes cidades. O que ocorre é que elas tendem a ver apenas a superfície sem levar em conta o esforço necessário para se chegar a uma cidade mais agradável de se morar, sem considerar os erros de percurso, os esforços para corrigir distorções e sem a disposição para replicar esse trabalho, que não é visível. Uma boa forma de se evitar isso é tentar entender as razões que levam as nossas cidades a ter determinados problemas.
O que fazer para que uma grande cidade, como São Paulo, com todos os seus problemas, se torne melhor?
As melhores cidades são aquelas que funcionam. Além da questão da moradia, elas precisam resolver questões de mobilidade, que passam pelo conceito de oferecer opções de trabalho mais próximas dessas moradias. Morar em uma cidade preocupada com o meio ambiente é outra forma de se conservar a beleza. De diferentes maneiras, as pessoas querem se sentir parte da cidade. Uma questão que eu entendo ter sido muito discutida recentemente em São Paulo é a dos grafiteiros. Em Cingapura, há uma lei que determina que os edifícios sejam pintados a cada cinco anos – dessa forma, tudo sempre parece limpo e novo. A pichação é crime, mas a cidade mantém muros para os grafiteiros, em que a expressão artística é permitida e valorizada.
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