A crise da Petrobras reascendeu o longo debate sobre qual a melhor política para que o país se beneficie dos recursos do pré-sal. Apesar de o ministro de Minas e Energia já ter sinalizado a possibilidade de revisar o modelo atual, Dilma Rousseff recentemente reiterou dois aspectos que considera inegociáveis: o modelo de partilha com participação da estatal e a exigência de conteúdo nacional nos equipamentos para a exploração.
Parece intuitivo pensar que essas condições permitam retornar ao país o máximo possível da riqueza gerada pelo pré-sal. Para muitos, não segui-las significa “entreguismo”. Mas essa visão ignora que as empresas competem pelos campos. No modelo atual, o direito de exploração fica ao consórcio que oferecer ao Estado a maior partilha do lucro com a operação (o “excedente em óleo”). O que ocorre se a Petrobras continuar sendo operadora única e sempre tiver de participar com um mínimo de 30% no consórcio vencedor? Por um lado, o governo pode se beneficiar com a participação da sua estatal nos lucros do consórcio. Por outro, a exigência pressiona a operação da Petrobras – que, como qualquer empresa, tem limites na capacidade de investimento e exploração. Além disso, com os problemas de intervenção sofridos pela Petrobras, a própria obrigatoriedade de sua presença aumenta o risco percebido por potenciais entrantes.
Esses fatores tendem a afetar negativamente o número de empresas dispostas a competir pelos campos. Não estranhamente, no leilão de Libra, em 2013, apareceu um só consórcio e o resultado foi o mínimo estabelecido em edital: repasse ao governo de 41,65% dos lucros. Nesse consórcio, a Petrobras participa com 40% do capital. Por sua vez, o governo e suas subsidiárias têm 46% do capital total da Petrobras. Numa conta simples, assumindo um lucro de US$ 25 por barril, repasse mínimo (que pode variar em razão das condições de mercado) e os impostos corporativos cabíveis, a estatal deve gerar à União ao redor de US$ 1,8 por barril.
Imaginemos, agora, um cenário em que a Petrobras deixa de ser operadora única, porém mais consórcios entram no leilão. Se essa maior competição aumentar a oferta de partilha em no mínimo 10 pontos porcentuais, a União ganhará pelo menos US$ 2,5 adicionais por barril – mais do que obteria via sua participação na Petrobras. Com o regime de partilha, o petróleo será mais nosso se atrairmos mais empresas agressivamente competindo pelo direito de explorar os campos!
[su_quote]Existem evidências de que as estatais são mais produtivas quando sujeitas a maior competição[/su_quote]
Esse ganho seria ainda maior com a flexibilização da exigência de conteúdo nacional. A própria Petrobras diz ser difícil achar fornecedores competitivos no Brasil. Com maiores custos de exploração, caem os lucros do consórcio vencedor e, pois, o montante partilhado com a União. Voltando ao cálculo anterior, se o custo de exploração cair em US$ 5 por barril, a União terá uma receita extra de pelo menos US$ 2 para cada barril extraído.
Os defensores do modelo atual insistem que eventuais custos do conteúdo local são mais que compensados pela maior arrecadação e geração de empregos no país. Mas esse é um argumento falacioso. Mais arrecadação e empregos podem ser obtidos com investimentos dentro ou fora da cadeia de petróleo. Uma estratégia mais inteligente é adotada pelo Chile. Lá, também há a preocupação de retornar à sociedade a riqueza gerada por recursos naturais. Um fundo abastecido por rendas de mineração suporta um programa chamado Start-Up Chile, destinado a apoiar a inovação e o empreendedorismo em setores como tecnologia da informação, energias renováveis e saúde.
Finalmente, existem evidências de que as estatais são mais produtivas quando sujeitas a maior competição. Uma situação de quase monopólio acomoda a gestão das estatais e torna muito fácil para uma pequena elite de políticos e empresários capturar a riqueza por elas geradas. O que estamos vendo nas investigações da Lava Jato não é nada mais que um reflexo dessa disfunção. Sem mudar o modelo atual, o petróleo não será nosso, mas daqueles mais bem conectados no nosso persistente capitalismo de laços.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/5/2015
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