Um fator que tem alimentado o cenário global de incerteza na economia é a queda drástica do preço do barril de petróleo. Na última semana, o mundo assistiu, assustado, a um colapso na precificação do produto. Isso levou a uma corrida por um acordo entre grandes produtores, como Rússia, Arábia Saudita e EUA. Como o Brasil é afetado por estas situações? O preço praticado pelo país está sofrendo interferências externas? Para responder às dúvidas, o Instituto Millenium conversou com o economista Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Ouça!
Pires explicou que a crise do Coronavírus abriu a possibilidade de novos cenários na disputa entre os maiores produtores de petróleo – isso, no entanto, desembocou em uma crise de volatilidade. “A Rússia e a Arábia Saudita viram a crise como oportunidade de tirar do mercado os produtores do shale oil (petróleo de xisto) norte-americano, porque eles têm um custo alto, superior ao dos russos e sauditas, na casa de US$ 40 o barril. Em um primeiro momento, a Arábia Saudita – segundo maior produtor de óleo do mundo e maior exportador – tentou exercer, junto à Rússia, um fator de crescimento do preço, cortando 1,5 milhão de barris. A Rússia recusou, a Arábia dobrou a aposta e aumentou a produção. Com isso, houve uma queda de 30% no preço do barril e o petróleo passou a ter preços muito baixos”, explicou.
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O problema surgiu porque, se por um lado o preço caiu; por outro, o consumo também, por conta do isolamento social. “Essa crise tem trazido surpresas e ineditismos. O aumento de oferta causou queda no preço, o que é natural, mas com queda no consumo maior do que nos preços, e isso os sauditas e russos não esperavam. Os sauditas e os russos foram brincar no abismo e proporcionaram o maior tombo que já aconteceu na história no que se refere aos preços, e eles se enrolaram com isso”, disse, explicando que o corte anunciado de 9,7 milhões de barris não é suficiente para interromper a queda de preços, uma vez que a demanda cai de 20 a 30 milhões de barris por dia.
A crise teve o seu auge na última semana, quando o petróleo norte-americano foi cotado abaixo de zero. Durante a entrevista ao Millenium, Adriano Pires explicou o porquê desse fenômeno inédito ter acontecido. “Na terça-feira, venciam contratos físicos. O trader percebeu que não conseguiria vender, pois o consumo desabou; e nem armazenar, pois os estoques já estavam batendo no teto e o armazenamento custa mais do que o próprio produto”, disse.
Brasil
Como não poderia deixar de ser, a turbulência vai respingar no Brasil. A Petrobras, por exemplo, já anunciou a redução nos investimentos na ordem de 30% neste ano, está hibernando plataformas em águas rasas e cortou 200 mil barris por dia de petróleo, seguindo tendência de mercado. “Aqueles planos que o Brasil tinha de produzir 7 milhões de barris por dia em 2029 terão que ser adiados em dois, três ou quatro anos”, explicou Pires, lembrando de outra consequência, na ponta: a questão fiscal, uma vez que o petróleo é responsável por boa parte da arrecadação fiscal. “Essa crise vai mudar tudo. O governo já anunciou que não haverá leilão de petróleo neste ano. Além disso, os royalties vão ser reduzidos em torno de 40 a 50%, Então, esses estragos vão ser provocados, e isso é muito grave em um país como o Brasil, que tem problema fiscal”, lembrou.
O que vem por aí
De acordo com o economista, o mercado norte-americano não pode deixar que esse fenômeno contamine os preços internacionais, sob risco de uma crise econômica ainda maior do que a provocada pela pandemia do Coronavírus. “Se isso acontecer, vai ter um caos talvez maior do que o da pandemia. O que os EUA precisam fazer? Vão ter que intervir no mercado de óleo . Há três hipóteses de intervenção: emprestar dinheiro; comprar ações das empresas; e comprar petróleo a contrato futuro e esse petróleo continuar no campo”, informou.
O fundador do CBIE disse que as últimas movimentações do mercado têm o objetivo de tornar a situação mais sustentável, uma vez que os preços baixos não interessam a ninguém. “O petróleo abaixo de US$ 30 é ruim para a Petrobras, para a Rússia, para a Árabia… Então, o que se imagina é que o mercado se articula para mudar isso. Neste processo de enxugamento de oferta, quando a demanda voltar a crescer, nada impede que volte a se ter o petróleo a US$ 80, US$ 90 o barril”, disse, constatando que o setor é um dos primeiros a sofrerem os impactos, mas também os primeiros a se recuperarem.
Como é o mercado
Adriano Pires destaca que, como o petróleo é uma commodity, o preço é determinado pelo mercado internacional, e não única e exclusivamente pela operação de um determinado player. O economista lembrou que a curva de oferta e procura determina o valor, mas alertou para algo que o diferencia de produtos como café, açúcar: o efeito geopolítico para determinar o preço. “Qualquer telefonema do Trump faz o preço crescer ou reduzir, assim como guerras e o coronavírus. Obviamente, o Brasil e a Petrobras também sofrem com isso”, disse.