Recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, julgando 14 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin), derrubou 23 normas, editadas por seis Estados, concessivas de benefícios fiscais com base no ICMS para atrair investimentos para seus territórios, constitui clara evidência de quão desarrumado está o sistema tributário brasileiro.
Essa prática de concessão irregular de benefícios de ICMS vem de longa data. Já nos idos de 1970 o Estado do Espírito Santo criou o Fundo de Apoio às Atividades Portuárias (Fundap) para, supostamente, incentivar o desenvolvimento daquelas atividades no Estado. O modelo assentava-se no incentivo às importações e tinha como sustentáculo o financiamento, em até 20 anos e praticamente sem juros, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, hoje ICMS) incidente sobre mercadorias importadas pelo Porto de Vitória. Era o início da guerra fiscal entre Estados, baseada na concessão de benefícios fiscais, que desde então se generalizou, tornando letra morta a Constituição federal e a Lei Complementar n.º 24/75, que regula a forma como esses incentivos devem ser concedidos e revogados.
Os governadores dos Estados menos desenvolvidos argumentam que são instados a transgredir a legislação, concedendo benefícios fiscais irregulares para promover o desenvolvimento econômico local, porque inexiste uma política nacional de desenvolvimento regional.
Uma análise mais detalhada desses procedimentos, contudo, revela que muitas vezes não há nobreza no objetivo e sempre o resultado é desastroso para a economia brasileira. Já na gênese da guerra do ICM, em 1970, o manual de procedimentos do citado Fundap, editado pelo governo capixaba, explicitava, sem nenhuma sutileza, aos candidatos ao enquadramento no programa que, para fazer jus ao benefício, a mercadoria importada por Vitória poderia ser desembaraçada em qualquer porto do País, desde que o ICM fosse recolhido aos cofres do Espírito Santo!
Agora, 40 anos depois, vê-se o governo de Santa Catarina criando um programa chamado Pró-Emprego, que concede devolução de ICMS incidente sobre mercadorias importadas, por exemplo, da China. Supõe-se, pelo nome, que o programa deveria gerar empregos em terras catarinenses, não nas plagas de Xangai! A mercadoria produzida no exterior é desembaraçada nos portos de Santa Catarina e enviada para o resto do Brasil com 12% de crédito de ICMS (essa é a alíquota interestadual do imposto), embora sejam recolhidos àquele Estado apenas 3%. A diferença é subsídio ao emprego no exterior. Cada emprego a mais lá significa um empregado a menos aqui! Esse é um mero exemplo.
Concessão de incentivos de ICMS a mercadorias importadas, inclusive por Estados mediterrâneos, pululam Brasil afora. Verdadeiro dumping às avessas! Essa incrível pirataria fiscal é viabilizada pela tributação das operações interestaduais pelo ICMS: o Estado remetente “finge” que cobra 12% na fronteira interestadual (geralmente cobra 12%, mas devolve 9%); o Estado destinatário é obrigado a devolver integralmente os 12% ao seu contribuinte e a mercadoria chega ao mercado consumidor com 9% de subsídio. Dessa forma, a produção ou importação da mercadoria, quando desviada artificialmente para esses “paraísos fiscais” de ICMS, impõe perda equivalente a 12% ao Estado consumidor, cuja contrapartida é um ganho de 3% ao Estado “generoso” e de 9% ao contribuinte atraído para essa verdadeira maracutaia. É claro que o desenho do nosso sistema tributário não é tão “burro” assim. Qualquer concessão de benefícios de ICMS deveria, desde 1975, ser aprovada pela unanimidade dos Estados, o que evitaria a guerra fiscal, de vez que qualquer prejudicado teria poder de veto. Essa regra, entretanto, vem sendo solenemente ignorada. Uma semana após o “susto” provocado pela histórica decisão do STF de junho, os Estados voltaram a oferecer benesses fiscais a incautos investidores e importadores.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 15/07/2011
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