Ontem, foi aprovada na Câmara de Deputados a urgência para a votação do novo piso salarial da enfermagem. Conforme o projeto, o valor mínimo inicial para os enfermeiros será de R$ 4.750, a ser pago nacionalmente pelos serviços de saúde públicos e privados. Apenas 10 deputados votaram contra (e sofreram muitos ataques por isso). A maioria escolheu o caminho fácil de votar em favor de um projeto que está longe de ser a solução para o problema dos baixos salários da enfermagem (e de boa parte das profissões no Brasil).
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Para o setor público, a consequência é simples de prever: o dinheiro para pagar a diferença terá que sair de algum lugar, e o país já está endividado até o pescoço. Se os gastos aumentam, há duas alternativas: aumentar impostos ou a dívida. Em ambos os casos, toda a sociedade (em sua maioria formada de pessoas pobres) paga pelo benefício de alguns.
No caso do setor privado, é preciso entender como funciona o mercado de trabalho. Quem está se formando agora, ou tentando ingressar em alguma área de atuação sabe que a parte mais difícil é entrar nele, começar uma carreira, colocar a primeira experiência profissional no currículo. Mas à medida que se vai vencendo essas etapas iniciais, as demais oportunidades chegam com mais facilidade.
Para as empresas, contratar gente sem nenhuma experiência significa custo com treinamento, tempo perdido com adaptação, risco maior da pessoa não atender às expectativas (afinal, é um tiro no escuro), ter que lidar com alguns erros primários de vez em quando e admitir um ritmo mais lento na execução do serviço, afinal, a pessoa ainda está aprendendo.
E por que uma empresa faria isso, se o custo de um empregado sem experiência fosse o mesmo que o de alguém com anos no mercado? Por isso que alguns órgãos de classe acabam prestando um desserviço ao trabalhador em início de carreira, ao estipular um piso salarial. Quanto mais alto é esse piso, maior fica o degrau a ser vencido para entrar no mercado de trabalho.
Para o empresário, a conta precisa fechar. E se o piso para um enfermeiro é de quase R$ 5 mil (mais os encargos trabalhistas, que quase dobram esse custo), por que o mercado contrataria alguém que está aprendendo e ainda não produz o equivalente ao que custa? E não adianta gritar que saúde não tem preço ou não é mercadoria. Isso não muda o fato que um hospital, clínica ou centro médico precisa se pagar para continuar existindo.
O estabelecimento de pisos salariais, ao dar incentivos para que o empregador – seja público ou privado – enxugue a equipe da categoria que se pretende ajudar, não gera apenas desemprego naquela categoria. Afinal, uma equipe reduzida faz com que os trabalhadores fiquem mais sobrecarregados e não consigam prestar o serviço com qualidade.
A intenção de estabelecer pisos salariais é ótima, não duvido. Mas se fosse assim tão fácil fazer as pessoas ganharem mais, por que o governo não estabelece logo um salário mínimo de R$ 10 mil para todas as categorias e acaba com a pobreza no Brasil?
O salário mínimo no Brasil não é tão alto, o que significa que não é muito grande o percentual de pessoas que produz menos que ele. Mas elas existem e, em números absolutos, não é pouca gente. Querem ver? Por que o rapaz que vende bala no ônibus não consegue um emprego formal? E o ex-presidiário, que passou 10 anos fora do mercado, mas quer se tornar um cidadão de bem? Ande na rua, olhe pros lados. Veja quanta gente que pede esmola no sinal poderia estar empregada se pudesse receber de acordo com sua produtividade.
Repita o exercício com jovens recém-saídos da faculdade, com dificuldade de conseguir o primeiro emprego. Quanto mais alto for o piso da categoria, mais alto será esse primeiro degrau. Ou mais artifícios as empresas usarão para burlar esse piso (contratar a pessoa com outra nomenclatura, por exemplo).
No caso da enfermagem, segundo deputados que defendem o projeto, a média salarial hoje está em R$ 1.450 reais. Ou seja, o aumento pretendido é de mais de 300%. Imagine o impacto disso.
Não se garante bons salários com a caneta. Bons salários dependem principalmente de duas variáveis:
1. Produtividade, que já falei acima
2. Lei da oferta e demanda: quanto mais gente disponível no mercado para aquela função, maior a concorrência e menor o salário. Por isso tem emprego de nível médio ou fundamental pagando melhor que muitos de nível superior.
Para reduzir a concorrência e aumentar os salários, há dois caminhos:
1. Limitar a oferta de mão de obra em determinadas funções, proibindo cursos em faculdades, ou criando um número limitado de licenças pra exercer determinada profissão, como algumas categorias têm feito.
2. Aumentar a demanda por mão de obra, apenas parando de atrapalhar quem quer empreender no Brasil e tornando mais fácil a geração de empregos. Em outras palavras, reduzir o Custo Brasil.
Qual maneira lhe parece mais saudável? Pois é… estamos há décadas fazendo isso do jeito errado.