O impacto econômico do Coronavírus (Covid-19) é absolutamente imensurável. As mudanças sociais e políticas serão profundas; negócios lineares estão condenados ao pó, levando consigo uma série de postos de trabalho tradicionais. As tensões cívicas tendem a se alastrarem, pois a curva de desemprego será íngreme até a democratização plena das novas lógicas laborais de fundo tecnológico. Ou seja, o emprego não irá acabar, mas as aptidões humanas de empregabilidade se tornarão mais complexas, forçando vertical transformação do sistema educacional e urgente retreinamento funcional para a população ativa.
Neste cenário de dúvidas e incertezas, é factível imaginar que navegaremos em mares revoltos até chegarmos novamente em águas tranquilas. E, diante do agudo desentendimento político que reina do Brasil, é de intuir que as importantes conquistas do Plano Real poderão ruir como um castelo de areia.
Sim, o momento é crítico.
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A demanda por ajuda estatal será infinita, quando os recursos são absolutamente limitados. Em tese, estaríamos no clássico dilema das prioridades públicas: fazer escolhas difíceis diante da escassez de possibilidades. Ora, mesmo em tempos de normalidade, é impossível agradar a todos; por assim ser, a democracia é governada pelo critério de maiorias, sem aniquilamento das minorias eventuais. No entanto, o Covid-19 rompe com a pauta das prioridades majoritárias, trazendo emergenciais desafios futuros para valor presente.
Além de exigir investimentos bilionários em saúde pública, o governo terá que ajudar os vulneráveis e, ainda, auxiliar o tecido empresarial para impedir a implosão de nossa capacidade produtiva. Objetivamente, quando a pandemia passar, precisaremos de engrenagens econômicas robustas e aptas a fazer a roda da riqueza funcionar e, ato contínuo, impulsionar a retomada gradual do crescimento. Afinal, do que valerá sairmos vivos, mas completamente miseráveis, endividados e sem qualquer condição estrutural de vitalidade produtiva?
A pergunta acima, antes de retórica, traduz o maior desafio do pós-guerra aos governos constituídos. Face a extrema gravidade da situação, é possível conjecturar que inúmeros sistemas políticos entrarão em colapso irreversível, forçando radicais rearranjos internos e externos. Mais do que uma ameaça à democracia, o Covid-19 e suas fundas consequências sistêmicas representam um brutal atentado às estruturas de paz e prosperidade que governaram a civilização, especialmente após a Guerra Fria.
Sem cortinas, os desafios do Brasil são gigantescos. No desespero das necessidades, correremos a via do endividamento público ou para a venda massiva de reservas cambiais. Por conseguinte, o risco país irá às alturas, cobrando juros mais altos para custear a gastança emergencial. O drama é que a alavanca fiscal está sendo usada mundo afora, fazendo explodir os níveis de endividamento soberano. Na aridez de linhas de crédito razoáveis, o velho recurso à máquina de imprimir dinheiro talvez se faça necessário.
Sabidamente, a inflação é um fenômeno monetário. Acontece que novas ideias começam a surgir. E, quando os fatos mudam, as teorias também devem mudar.
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Na busca por soluções eficazes, Jim O’ Neill, Ray Dalio e, no Brasil, Henrique Meirelles lançaram proposições no sentido de que eventual expansão monetarista não gerará pressão inflacionária na atual circunstância, pois a retração será tão brutal que não responderá com automática alta dos preços. A ideia merece ser analisada com rigor. Se factível, o enigma será descobrir o “timing” exato da supressão dos estímulos monetários. Afinal, a história é insistente em lembrar que, em algum momento, a artificial emissão de dinheiro sem lastro vem cobrar sua fatura. Agora, se cara ou barata, será algo que teremos que descobrir, vivendo.
Definitivamente, o mundo requer novas respostas. Aliás, o trágico advento do Covid-19 demonstra que a inteligência humana ainda tem muito a avançar. Todavia, não podemos deixar que o vazio das convicções nos leve ao pântano da irracionalidade. Como bem a aponta a saberia superior de Christopher Lasch, “nós não sabemos o que precisamos saber até fazermos as perguntas certas”. Logo, será pela via da consciência crítica e do debate público responsável que levaremos nosso país a encontrar caminhos virtuosos.
Mas a virtude sempre pode ceder a vícios. A intransigência, o desentendimento político e a vaidade egoísta são a fórmula para uma irrevogável tragédia sistêmica. Se isso acontecer, a sóbria estabilidade do Plano Real será trocada pela insana instabilidade de um poder que, querendo tudo, nos condenará ao nada.