Começam a aparecer esboços mais realistas do que Temer deve fazer na economia nos próximos meses, assumindo provisoriamente agora, em meados de maio, e definitivamente em outubro/novembro. Isto, claro, se passar o impeachment da presidente.
A formação da equipe econômica parece ganhar um desenho definitivo, com Meirelles na Fazenda, Romero Jucá no Planejamento, Ilan Goldfajn no BACEN, Moreira Franco coordenando uma Secretaria de Infraestrurua e em outras áreas, ainda no chamado “núcleo duro” (áreas estratégicas e mais próximas ao presidente), Eliseu Resende na Casa Civil, na articulação política, José Serra nas Relações Exteriores, etc
Sobre as decisões de política econômica, o que se tem é o esforço do “novo governo” de tentar reverter o “baixo astral” do “ciclo dilmista”, dos vários descalabros de decisões tomadas na economia e os escândalos de corrupção. Será essencial a adoção de medidas que, de certa forma, sirvam como um “farol” para o País neste breve mandato de apenas dois anos e alguns meses.
Para isto, serão necessárias medidas de forte impacto inicial. Antes, porém, Temer precisará desarmar algumas armadilhas fiscais no meio do caminho, como o envio da LDO de 2016 ao Congresso com a revisão da meta fiscal para este ano, e a correção das dívidas dos estados, adiada por 60 dias pelo STF. Na primeira, a meta, antes em R$ 30,5 bilhões de superávit, com o governo federal com R$ 24,5 bilhões, será alterada contando agora com uma banda fiscal que permita o déficit chegar a R$ 96,6 bilhões. Achamos, no entanto, que deve passar dos R$ 120 bilhões ao fim deste ano, dada a frustração de receitas e as ameaças de “terra arrasada” do governo petista, saindo de cena. Isto, aliás, é um ponto a ser observado. Não teremos transição de governo. Dilma já disse que é “golpe e que este novo governo é ilegítimo”. Não facilitará na divulgação de dados ou na orientação das políticas existentes. Mais republicana impossível…
Sobre a correção das dívidas estaduais, o STF, meio que “lavando as mãos”, resolveu esperar por 60 dias. Lembremos que alguns estados, liderados por Santa Catarina, conseguiram uma liminar alterando a correção das dívidas por juro simples e não composto (juro sobre juro), como é usual. Isto se deveu a um erro na divulgação de um acordo no passado sobre dívidas estaduais, não explicitando sobre que juro seria usado para a correção das dívidas. O certo, no entanto, é que caso esta bomba exploda agora, o será no colo do “governo Temer”, elevando a dívida em até R$ 320 bilhões.
Mas, não entrando, por enquanto, nestas “batalhas”, é importante, mesmo que ainda de forma preliminar, tentar achar alguns caminhos para este possível “novo” governo. Boatos na imprensa indicavam a divulgação de um programa mais aprofundado, o “Uma Travessia Social”, mais focado na área social e complementar ao anterior, “Uma ponte para o futuro”. Certo, no entanto, nisto tudo, é que Temer terá que ter muita habilidade política para aprovar um arsenal de medidas no Congresso nos próximos meses. Tentemos então fazer uma análise de algumas delas e os próximos passos.
Medidas imediatas. Precisarão ser adotadas principalmente no equacionamento das contas públicas. O desafio aqui será realizar ajustes sem ter que aumentar a carga fiscal, já no seu limite. Cortes de despesas terão que ser anunciados, embora muitos só passíveis através de emenda constitucional, como no caso da Previdência. Sendo assim, o retorno da CPMF começa a ser ventilado e pode se tornar uma alternativa. Esta é a opinião do FMI, por exemplo, achando inevitável a elevação de impostos, já que não há espaço para cortar as “despesas rígidas do Orçamento”. Temos no Brasil um “ordenamento fiscal extremamente engessado” em que as despesas vinculadas chegam a 92% do total, incluindo aqui salários, previdência e benefícios assistenciais. Para isto, voltamos a reforçar sobre a importância da Reforma da Previdência, já que, segundo cálculos, as despesas previdenciárias já representam mais da metade do total das despesas obrigatórias do País. O FMI acha que o País só volta a ter superávit em 2020. Para eles, a dívida bruta federal deve passar de 90% do PIB em 2021 e no curto prazo, em torno de 76% neste ano, passando a 80% em 2017. Em março, no acumulado em 12 meses, o déficit primário chegou a R$ 136 bilhões, 2,28% do PIB, acima do mês anterior (2,1%). Esta seria a projeção aproximada para o ano.
Completando, as concessões devem retornar com força total, assim como as exportações, importantes por tentar reverter a perda de confiança dos últimos anos. Nas concessões deve ser alterado o modelo de fixação de retorno dos investimentos, criado pelo ciclo dilmista. Este modelo engessa a empresa interessada por praticamente definir qual será o lucro máximo para investimentos adicionais feitos nos empreendimentos. Será retirado. Neste contexto, será importante que as regras sejam mais claras e transparentes. Outro foco será buscar uma “política correta de exportações”. Na visão de Moreira Franco, “estamos distantes dos grandes centros consumidores. Nossas relações comerciais não nos colocam em um mundo de inovação, produção de tecnologia, de crescimento”. Optamos no passado, sob inspiração de Marco Aurélio Garcia, por ter uma postura político ideológica na estratégia externa, de comércio exterior, na formação de blocos contra os ricos, sempre atuando de forma multilateral, em grandes debates nos fóruns internacionais, mas não criando possibilidades de acordos bilaterais com países desenvolvidos. Deu no que deu. Hoje nosso volume de comércio é bem menor do que no passado e tivemos uma forte “primarização” da nossa pauta de exportações, cada vez mais dependente da China.
Privatizações, transferências de ativos, concessões. Gustavo Franco, ex-presidente do BACEN, disse que a gestão fiscal terá que passar pela estabilização da dívida pública, só passível se houver um grande volume de transferência de ativos. Neste caso, como disse acima, várias concessões serão realizadas, mas sob regras mais transparentes. Além disto, temos que acelerar as vendas das estatais, até porque são o “elo mais frágil”, em casos de corrupção, tal a contaminação dos departamentos de licitação e de compras. No programa ventilado, “o Estado deve transferir para o setor privado tudo o que for possível em matéria de infraestrutura. Quanto às competências que reservará para si, é indispensável que suas relações com contratantes privados sejam reguladas por uma legislação nova, inclusive por uma nova lei de licitações. É necessário um novo começo das relações do Estado com as empresas privadas que lhe prestam serviços”. Nada mais acertado.
Reformas Estruturais. Duas reformas são muito comentadas, a Trabalhista e da Previdência. Na primeira, o que se comenta é por maior “flexibilização das leis trabalhistas”, abrindo-se espaço para a livre negociação entre empresas/patrões e empregados/sindicatos, mesmo mantendo-se alguns direitos, como FGTS, salário-férias e décimo terceiro. Na da Previdência, se comenta sobre a estipulação da idade mínima em 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, havendo, no meio do caminho, uma regra de transição de cinco a dez anos. Comenta-se também sobre a desvinculação do reajuste dos benefícios, baseado no salário mínimo. Este será corrigido a partir da inflação passada e não por este reajuste. Não devemos descartar também a tributária, mas esta deve ficar mais para o ano que vem, embora seja grande a resistência dos estados, pelo risco de perder arrecadação com a unificação do ICMS. Este é um dos pontos polêmicos nesta reforma.
Programas Sociais. Embasado no programa “Travessia Social”, visa-se reformular os principais programas, fazendo-os chegar às camadas de mais baixa renda da população (5% do total), ou seja, 10 milhões de pessoas. Seu objetivo é fazer esta inclusão social, basicamente, pelo programa Bolsa-Família, que deve passar por uma revisão, um “pente fino”, para evitar focos de desvio. Este programa contempla hoje 14 milhões de famílias e o governo gasta, em média, R$ 2,3 bilhões (R$ 163 por família).
Nas camadas acima dos 5% até os 40% mais pobres, este processo se dará pela “conexão com a economia”. Para estes, serão dados “programas de certificação de capacidades” e outros estímulos. Em relação ao Pronatec, a avaliação será saber se estes melhoraram mesmo a geração de empregos e a renda do trabalhador, em vez de fiscalizar o número de matrículas alcançado. Temer pretende um Pronatec “revigorado”, “focado em cursos que atendam as necessidades locais”. As matrículas despencaram a 500 mil em 2015, depois de atingirem 2 milhões em 2014. No programa “Minha Casa, Minha Vida”, o objetivo é relançá-lo mais para as camadas de baixa renda. Atualmente, o déficit habitacional do País chega a 6 milhões sem os padrões adequados.
Comentários finais. Poderíamos comentar sobre o esforço de normalizar a política monetária, blindando mais o BACEN contra pressões externas. Sobre isto, tramita no Congresso um projeto de lei de independência do BACEN, com mandatos definidos para o presidente e os diretores. Seria o mesmo que seguir a mesma lógica das agências de regulação, já que a autoridade monetária fiscaliza o sistema financeiro. Enfim, são inúmeras as medidas ventiladas, mas só avançando se houver sintonia com o Congresso. Na verdade, neste clima de “terra arrasada”, uma refundação do Estado brasileiro será inevitável. Esperemos que Temer tenha tempo para isto. Se sim, será uma travessia segura, pacífica e duradoura, que trace as bases para o futuro.
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