Em entrevista recente, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Cristina Peduzzi, defendeu “a realização de uma nova reforma trabalhista com o objetivo de incluir na lei as novas modalidades de trabalho exercidas por meio de plataformas digitais”. Segundo a matéria, “a ministra alega que falta uma norma jurídica que proteja os prestadores de serviço de aplicativos, como motoboys”. Afinal, “como fica a relação dos fornecedores? Tem vínculo empregatício ou não?”.
A inexistência de regras específicas para este tipo de relação profissional cria um vácuo que, segundo a ministra, poderá levar ao ativismo judicial, e o risco de insegurança jurídica é grande. Esta é uma questão importante e precisa ser tratada com cuidado.
As plataformas resolvem um dos principais problemas do mercado de trabalho: colocar a oferta de trabalho diretamente em contato com a demanda. Para um trabalhador em busca de trabalho, a primeira e, provavelmente, maior dificuldade é encontrar uma empresa ou um agente que necessite de um trabalhador com suas características. E vice-versa. As plataformas minimizam esse problema. Elas proveem essa informação a um custo relativamente baixo para ambos os agentes.
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Trabalhadores e demandantes pagam às plataformas pelo serviço de colocá-los em contato. Elas não têm qualquer interferência na jornada e no local de trabalho, que são definidos pelos trabalhadores e pelos contratantes dos serviços. Algumas das plataformas adotam um algoritmo que calcula o preço do serviço com base na oferta e na procura, no momento em que o serviço é demandado. Nas plataformas que não proveem um algoritmo, o preço é decidido entre demandante e ofertante do serviço. Ou seja, a relação entre o provedor e o contratante do serviço e a plataforma não é uma relação de emprego, mas puramente comercial.
O objetivo das plataformas é oferecer um serviço de intermediação de mão de obra, como os serviços públicos de intermediação existentes no Brasil (Sistema Nacional de Emprego – Sine) e em outros países. Se não existe dúvida de que os trabalhadores intermediados por estes organismos oficiais não têm vínculo empregatício com o governo, por que haveria dúvida no caso da intermediação feita pelas plataformas digitais?
Encontrar a pessoa certa na hora certa é uma das grandes dificuldades nas relações humanas, de um modo geral, e nas relações de trabalho, em particular. Nossas relações pessoais se restringem a um grupo relativamente pequeno de pessoas com educação, formação, cultura e histórias similares. Não é fácil nos livrarmos dessas amarras, que são, na maioria das vezes, definidas quando e onde nascemos, seja no que se refere à geografia, à estrutura familiar, à classe social, etc.
Isso significa que nossa vida é, pelo menos em parte, definida por um fator totalmente aleatório, sobre o qual não temos influência: onde nascemos. E essa aleatoriedade se propaga ao longo da vida, e é um importante fator na definição de nossas relações de trabalho. Daí a importância dos contatos pessoais.
Os aplicativos de relacionamento e as plataformas digitais de trabalho são um passo no sentido de afrouxar essas amarras. Elas ampliam, além dos limites impostos pelos elos familiares e de amizade, o conjunto de pessoas com as quais nos relacionamos e o conjunto de possibilidades com as quais se deparam trabalhadores e empresas no mercado de trabalho, melhorando as perspectivas de desenvolvimento pessoal e profissional. Elas são o futuro do trabalho.
Institucionalizar a relação entre estas plataformas, os prestadores e os demandantes de serviços é um passo importante para reduzir a incerteza jurídica. Mas é preciso ter cuidado para que isso não seja uma forma de restringir o funcionamento das plataformas, sob a justificativa de proteger os trabalhadores. Isso apenas geraria mais informalidade e desemprego. Gerar postos de trabalho é o que efetivamente protege o trabalhador.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 29/2/2020