Implícita na Constituição de 1988, a opção por concentrar os recursos federais em assistência social, Previdência e funcionalismo teve drástica consequência para os serviços de infraestrutura. Diante da extinção dos chamados impostos únicos, os governos ficaram desobrigados de aplicar qualquer parcela da arrecadação na manutenção ou expansão da rede viária do País. Sob as novas obrigações, acabou acontecendo uma drástica queda nos investimentos públicos em transportes, levando à situação de terra arrasada que hoje se observa em vários segmentos da área.
No tocante às rodovias, a piora da qualidade da superfície dos pavimentos que se seguiu à derrocada dos investimentos elevou o consumo de combustível por quilômetro, o desgaste dos pneus e as despesas de manutenção em geral, obrigando os veículos a trafegarem em velocidades menos elevadas. Quanto menor a velocidade, maior a queda da produtividade. Sem falar na elevação dos índices de acidentes rodoviários e das tragédias em torno deles.
Ou seja, os usuários passaram a enfrentar custos cada vez mais altos à sua revelia, enquanto as prioridades eram redirecionadas. O surgimento das concessões rodoviárias foi, assim, uma consequência natural da implantação do novo modelo político, embora exista, ainda, forte resistência dos dirigentes públicos à ideia de que a cobrança de pedágios seja inevitável e, principalmente, de que, às vezes, eles possam parecer indevidamente altos.
O ponto é que, aos poucos, custos crescentes foram incidindo sobre os usuários, de forma tal que estes, sem poder alterar o modelo político em vigor, estarão sempre dispostos a incorrer em custos adicionais (pedágios), desde que os benefícios oferecidos pelas melhorias e expansões sejam superiores aos desembolsos que passarão a fazer.
Por outro lado, cabe demonstrar que o valor-limite da tarifa é maior ou igual ao menor valor possível necessário para remunerar adequadamente os desembolsos dos investidores, assegurando, dessa forma, a compatibilidade entre o interesse dos usuários e o das futuras concessionárias.
Uma situação intermediária de algum subsídio público envolveria uma Parceria Público-Privada (PPP). Ao fim e ao cabo, os dirigentes precisam entender que infraestrutura boa não é sinônimo de infraestrutura barata e que as dificuldades dos usuários de baixa renda para enfrentar os efeitos do custo de transporte sobre sua cesta de consumo devem ser resolvidas de outro modo, ou seja, pela concessão de subsídios a produtos sensíveis socialmente, como os da cesta básica.
O resultado do leilão de menor preço do serviço, respeitadas determinadas condições, constituiria um mecanismo de revelação da tarifa ideal para o regulador. Caberia ao próprio mercado, criado pela licitação implementada pelo regulador, indicar o melhor referencial teórico de tarifa regulada. Como há uma relação direta entre tarifa e a taxa interna de retorno (TIR), seria também o próprio mercado que indicaria qual a TIR adequada para o projeto.
Na vida real, contudo, é preciso impor limites aos leilões, para que eles gerem um resultado que se aproxime da tarifa ideal e afaste o comportamento oportunista de certos candidatos às concessões, ou seja, concorrentes que oferecem preços irrealistas e que, uma vez ganha a licitação, passam a pressionar a agência reguladora por reajustes de preços ou alteração no cronograma de investimentos ou das demais obrigações; ou, ainda, que exploram falhas formais dos editais para descumprir os compromissos assumidos.
Antes disso, é importante lembrar que uma licitação boa deve ir além da revelação do preço ideal no leilão. A concessão implica prazos, usualmente longos, durante os quais, espera-se, haja ganhos de produtividade que permitam a redução de custos. Por isso, é preciso estabelecer critérios que estimulem (ou que não desestimulem) o concessionário a obter reduções de custos, a investir e a melhorar a qualidade do serviço durante o contrato.
Em síntese, concessões bem-sucedidas requerem:
remuneração realista para os concessionários;
adequada pré-qualificação dos concorrentes, inclusive mediante explicitação do plano de negócios e da proposta técnica;
editais bem trabalhados, para evitar brechas que deem margem a eventual comportamento oportunista futuro de participantes dos leilões;
e que não se adote a inversão das fases naturais dos leilões, pois com ela se cria um fato consumado ao anunciar o vencedor da proposta financeira, havendo dificuldade política e jurídica para a desclassificação desse concorrente caso ele não cumpra as exigências de qualificação.
Ter foco nesses pontos é bem mais importante do que insistir em modicidade tarifária. A louvável preocupação do governo com os mais pobres deve ser resolvida em outro departamento, o dos subsídios à baixa renda, como no caso dos produtos da cesta básica, onde custos de transporte mais altos podem ser compensados via aportes de recursos oficiais. O resto é populismo de beira de estrada, que abre buracos e impede uma boa produtividade.
Fonte: O Globo, 10/09/2012
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