O relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia, apresentou enfim ontem seu voto sobre o tema na Comissão Especial da Câmara dedicada ao assunto. O destaque foram as concessões feitas pelo governo na tentativa de angariar apoio para a reforma. Mas o real problema é outro: a pobreza do debate no Congresso.
Quem for tentar calcular hoje quando poderá se aposentar e o percentual que receberá sobre o salário de contribuição poderá ter dificuldade, mas com um pouco de insistência obterá a resposta. O governo cedeu e criou uma regra que, mesmo complicada, acaba com a transição abrupta da primeira versão do projeto de reforma.
Também cedeu em todos os demais pontos. Reduziu o tempo mínimo de contribuição para a aposentadoria integral, criou idades mínimas distintas para homens e mulheres, manteve aposentadorias especiais para professores e policiais, manteve a vinculação ao salário mínimo e reduziu a idade para obtenção do Benefício de Prestação Continuada (ou BPC, concedido a deficientes e idosos sem tempo de contribuição) e deixou estados e municípios aprovarem reformas próprias antes de submeter-se às regras da União.
Tudo em nome do apoio no Congresso. Não parece ter funcionado muito bem, de acordo com o placar mantido pelo jornal “O Estado de S.Paulo”. Entre 305 deputados ouvidos, apenas 50 se manifestaram a favor do relatório de Maia, e 150 se disseram contrários. Para ser aprovada, a emenda da reforma precisa de 308 votos na Câmara. O presidente Michel Temer começou a pressionar ministros aliados com a perda do cargo, caso deputados de seus partidos votem contra.
Mas tudo isso faz parte do jogo democrático. O maior problema nem está aí. A verdadeira questão é outra: quanto custarão as mudanças aos cofres públicos, em relação à primeira proposta de reforma do governo? Tal informação, essencial a qualquer tomada de decisão, simplesmente não consta do relatório de Maia.
Quem for procurá-la enfrentará uma dificuldade bem maior do que para calcular a própria idade de aposentadoria. As economias iniciais do projeto foram estimadas, ao longo de dez anos, em R$ 682 bilhões, R$ 755 bilhões e até em R$ 818 bilhões, dependendo de quem fala.
Quando entra em jogo a redução que as mudanças no projeto provocam nessa estimativa, a inconsistência nos números é ainda maior. Uns falam em R$ 115 bilhões dos R$ 680 bilhões. O banco Itaú diz que, de R$ 755 bilhões, os ganhos cairiam a R$ 431 bilhões. Há ainda quem avalie a perda “entre 20% e 30% da estimativa inicial” de R$ 800 bilhões, que poderia cair até a R$ 560 bilhões. E quem acredite numa redução bem maior, de até 60%, que levaria as economias a algo como R$ 320 bilhões.
Em resumo, ninguém sabe. A falta de consistência nessas análises revela a real ignorância sobre o assunto. Na hora de garantir direitos sociais, não basta criar regras justas e negociá-las democraticamente. É preciso também saber quanto custa cada cenário — assunto que nossos parlamentares sempre parecem preferir evitar.
O governo já comenta que, dentro de cinco ou seis anos, será necessária uma nova reforma, pois as contas da Previdência voltarão a explodir. Seria interessante que apresentasse os dados que embasam tal cenário. É um absurdo que os deputados debatam o assunto sem levá-los em consideração, sobretudo quando todos sabem ser necessário cumprir o teto de gastos públicos.
É uma evidência eloquente da pobreza desse debate no Brasil. Todo mundo preocupado se o BPC será concedido aos 68 ou 70 anos, se mulheres continuarão a se aposentar mais cedo, se policiais, professores ou servidores públicos manterão algum tipo de condição especial — quando no fundo o impacto disso tudo pode ser muito pequeno.
Entre todas as emendas sugeridas pelos deputados, apenas uma falava, ainda que obliquamente, na criação de um fundo de aposentadoria capaz de criar, aos poucos, um sistema que nos liberte da armadilha da aposentadoria com benefício definido. Foi derrubada sem maiores comentários pelo relator.
O certo seria cada contribuinte receber com base no que poupa ao longo da carreira, depositado numa conta que seguiria regras estipuladas em lei, administrada até por bancos privados. O governo deveria cuidar de assistência social por meio de outros instrumentos, não da Previdência. Mas para que resolver os problemas, se podemos adiá-los mais seis, cinco, quatro, três, dois — quantos anos mesmo?
Fonte: G1, 20 de abril de 2017.
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