Oded Grajew cometeu artigo na semana passada afirmando que a fixação de idade mínima de 65 anos, conforme proposta formulada ainda no governo Temer, não permitiria que os pobres se aposentassem.
Justifica a conclusão afirmando que a idade média ao morrer nos bairros mais pobres de São Paulo é inferior a 65 anos, enquanto nos mais ricos supera 75 anos, situação que seria ainda pior no resto do país, mais pobre que São Paulo.
Há, porém, 20,4 milhões de aposentados recebendo do INSS (outros 15 milhões recebem benefícios diversos: assistenciais, acidentários etc.), dos quais 10,8 milhões por idade, 3,4 milhões por invalidez e 6,2 milhões por tempo de contribuição.
Segundo as regras atuais, a aposentadoria por idade ocorre aos 65 anos para homens e 60 para mulheres, em ambos os casos comprovados 15 anos de contribuição (no caso rural, as idades são de 60 e 55 anos, respectivamente).
O valor médio da aposentadoria por idade se encontra ao redor de R$ 1.500/mês, mas quase 60% dos benefícios previdenciários concedidos pelo INSS equivalem a um salário mínimo.
Quem, portanto, se aposenta hoje por idade são tipicamente os mais pobres, que recebem o equivalente a 40% a 60% da renda per capita. Tais números mostram que, ao contrário do que argumenta Grajew, pobres se aposentam.
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Como reconciliar as duas observações?
Na verdade, Grajew caiu em erro comum de quem trata do assunto: confundiu a idade média ao morrer com a expectativa de vida. Aquela depende, entre outras coisas, da idade média dos moradores do bairro; uma vez que se corrige esse elemento, nota-se que em nenhum bairro a expectativa de vida ao nascer é inferior a 70 anos. Além disso, há a distinção entre a expectativa de vida ao nascer e a expectativa condicional à idade.
No Brasil, a primeira é 75 anos; já a expectativa de vida de quem atinge 55 anos supera 80 anos. A diferença se deve a males como mortalidade infantil e violência, esta última particularmente cruel com homens (cuja expectativa de vida aos 20 anos é 73 anos, ante 80 anos no caso de mulheres na mesma faixa etária).
Não é preciso um esforço enorme para concluir que a idade média ao morrer nas regiões mais pobres é menor precisamente por força também desses dois fatores.
Não é, pois, correto afirmar que pobres jamais se aposentarão e que, dessa forma, o estabelecimento da idade mínima deveria ser diferente conforme a renda. É correto, contudo, direcionar recursos públicos para a redução da mortalidade infantil (saneamento e saúde) e da violência (policiamento).
Dado, porém, que as despesas previdenciárias representam não só a maior parcela do gasto público mas também a que cresce mais rápido, não é difícil concluir que, a fim de liberar recursos para atacar os problemas que reduzem a expectativa de vida para os pobres, é necessário reformar a Previdência.
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A conclusão é óbvia, claro, mas só para quem está disposto a sair do bom-mocismo, segundo o qual as conclusões justificam os argumentos, para um olhar analítico que percorra o caminho inverso, qual seja, argumentos, de preferência ancorados em sólidas bases estatísticas, que justifiquem as decisões de políticas públicas.
Quando (e se) os autodenominados cruzados de desigualdade fizerem essa travessia, não tenho dúvida de que a qualidade do debate melhorará. Até lá, contudo, permanecerá a pobreza, tanto de argumentos como de grande parcela da população.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 09/01/2019