Milhares de pessoas vivem em situação de rua no Brasil, mas esta realidade não é muito diferente nos Estados Unidos. Apenas em Nova York, por exemplo, cerca de 77 mil pessoas não têm um lugar próprio para dormir todas as noites. Sensibilizados com esta situação, os brasileiros Tiago Noel Souza e Felipe Marinho criaram o Soulphia, uma plataforma online que oferece aulas de inglês coordenadas por americanas moradoras de rua e abrigos, treinadas para lidar com alunos de todo o mundo. O nome é uma inspiração pela união das palavras “soul” – alma em inglês, e “sophia”, cujo significado é sabedoria.
A ideia do programa surgiu em 2017 enquanto Tiago e Felipe, vivendo em Nova York, realizavam trabalho voluntário em abrigos municipais. Com uma vontade mútua em criar um projeto sustentável, perceberam que 90% dos moradores de rua acabaram ali por falta de oportunidades, violência doméstica ou desemprego. Dentre essa parcela, perceberam que as mulheres têm menos oportunidades de trabalho que os homens. O objetivo, então, foi reconstruir a vida dessas mulheres e, ao mesmo tempo, facilitar o aprendizado de pessoas interessadas na língua inglesa.
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“Esse projeto nos mostrou que era um caminho sustentável e permitiria que todos os envolvidos se beneficiassem, não seria apenas uma ação caridosa. Percebemos que os moradoras de rua tinham muitas habilidades e o que os levou para aquela situação estava muito menos relacionado com drogas ou qualquer tipo de vício, e muito mais com uma desorganização do sistema. Tentamos entender qual deles tinha menos chances de conseguir sair daquela situação e claramente concluímos que eram as mulheres acima de 50 anos. Então, não diferenciamos raças, mas gêneros”, conta Tiago em entrevista ao Instituto Millenium. Ouça no player abaixo!
Projeto piloto
Entre outubro a dezembro de 2017, o Soulphia conduziu um projeto piloto para testar sua efetividade. Com cinco tutoras – quatro acima de 50 anos e outra de 20 anos – as aulas começaram em salas de informática cedidas por um abrigo local. Para isso ser possível, Tiago explica que a organização contou com a parceria da Universidade Columbia, em Nova York, a Universidade Country College of Morris, de New Jersey, e outras instituições da cidade para desenvolverem aulas de coaching a fim de recuperar a autoconfiança e fortalecer a didática das futuras professoras de inglês:
“A Columbia comprou a ideia, ajudando a estruturar nosso plano de negócio. Ao mesmo tempo, a Country College of Morris, que tem um time de especialistas para preparar professores de inglês para alunos de outras nações, nos ajudou a criar o currículo de metodologia de ensino. Também tivemos apoio da prefeitura de Nova York; de uma instituição que cuida de abrigos e vários voluntários nesse processo de seleção e treinamento”, explica Tiago.
Logo de início, o Soulphia teve 50 inscrições e os alunos avaliaram as tutoras com notas altas, enfatizando o empenho. Os fundadores decidiram que era hora de reestruturar o negócio e, em fevereiro deste ano, retomaram o projeto com um plano de carreira para as funcionárias. Atualmente, contam com 25 tutoras e mais de 300 alunos em países como o Brasil, EUA, Colômbia e China.
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“No começo queríamos ajudar a melhorar a autoestima delas provando que poderiam dar aulas de inglês melhor que qualquer outro professor porque elas viveram a vida de forma diferente. Durante o processo, percebemos que a história delas era de fato um motivador e isso fazia com que fossem mais corajosas e engajadas. Então, começamos a prepará-las para outros desafios além do Soulphia. Ajudamos a conquistar outros empregos para melhorar a fonte de renda e conseguir casas subsidiadas pela prefeitura. Hoje, duas conseguiram empregos formais e cinco estão morando em casas de fato”, diz.
Como funciona
Para atender a atual demanda, a plataforma foi remodelada pela nova parceira Educurious, empresa da Fundação Bill & Melinda Gates. Cada aula tem uma duração de 45 minutos e o intuito é que o aluno tenha professoras diferentes para treinar os diversos tipos de sotaque. A metodologia também foi elaborada para ter muito bate-papo e utilizar o máximo de tecnologia possível. Em julho deste ano, a plataforma irá lançar aulas em realidade virtual, desenvolvida por uma empresa do Vale do Silício, na Califórnia. Nas aulas, alunos e professoras poderão passear juntos em locais como a Broadway, Times Square ou jogar uma partida de xadrez. Tiago esclarece:
“Trazemos temas atuais, de uma forma dinâmica e aberta onde o aluno é sempre estimulado a falar o máximo que pode ainda que não seja de forma perfeita. Ao invés de textos, usamos infográficos, vídeos, músicas e até discutimos política juntos. Na próxima semana vou ao Brasil para lançar nossa primeira aula no ambiente Soulphia virtual. Aluno e tutora poderão decidir, por exemplo, tomar um café na Time Square e o ambiente será transferido em 360º. A nossa aula tem que ser mais legal, somos disruptivos na forma e no conceito de quem está ensinando”.
Recentemente, o Soulphia mantém um projeto social de aulas de inglês para meninas que vivem no orfanato Vila Betânia, no Recife. Segundo o cofundador, esse trabalho despertou nas tutoras o desejo de ajudar o próximo:
“Assim que começamos o projeto em Recife, quase todas as tutoras se candidataram para trabalhar de graça pois acharam tão bonito que queriam ajudar as crianças em abrigos no Brasil. Elas se veem nessas meninas há 30 anos atrás, mas hoje acreditam que a vida tem um propósito. Quando damos a chance de uma pessoa ver o mundo com outra perspectiva, tudo muda”.