Comecei a contribuir para a Folha em setembro de 2006, são quase oito anos escrevendo sobre economia, mas, confesso, gostaria mesmo é de ser colunista de futebol. O vexame da seleção – ou, melhor, a reação ao vexame – acabou, porém, permitindo de alguma forma atender aos meus anseios, casando os dois assuntos.
Para quem não viu, a resposta inicial da presidente ao fiasco foi sugerir maior intervenção governamental no esporte, inclusive por meio de mecanismos para impedir a saída de jogadores com menos de 19 anos do país. Já seu ministro do Esporte chegou a aventar a possibilidade de “intervenção indireta” na organização das competições e na gestão dos clubes.
Já os que, como eu, acompanham a gestão desastrosa da economia não podem deixar de associar esse tipo de reação ao observado nos últimos anos: para cada problema que aparece, o governo se vê na obrigação de tomar alguma medida pontual a respeito, o que, tipicamente, não apenas não resolve a questão, como costuma, de lambuja, gerar novas dificuldades a serem devidamente atacadas por novas medidas pontuais, perpetuando indefinidamente o ciclo de incompetência.
Os empresários reclamam dos preços de energia? Em vez de identificar as causas últimas e pensar em reformas que possam aumentar a competitividade, o governo baixa as tarifas a canetadas, gerando uma crise no setor.
A inflação está elevada? Em hipótese alguma se considera a possibilidade de alteração nas políticas monetária e fiscal de forma a ajustá-las a um cenário de inflação mais baixa.
É preferível segurar os preços dos combustíveis, colocando a Petrobras na situação de endividamento que hoje se encontra; a única empresa de petróleo do mundo que anseia pela queda dos preços internacionais de seus produtos.
Não é por acaso, portanto, que o país se encontra no estado atual. Não há um exercício de reflexão sobre a natureza das questões, muito menos das consequências das “soluções” propostas.
A imagem recorrente é a do menino do conto holandês, tapando um furo do dique a cada momento, até que não lhe sobram mais dedos para tanto buraco.
Falta, não só para a economia, mas também para o futebol, um diagnóstico preciso das causas do problema.
Contraste a ideia de proibição da saída de jogadores com a hipótese levantada neste espaço pelo meu amigo Samuel Pessôa, a saber, que a Lei Pelé teria reduzido os incentivos à formação de jogadores, já que os clubes que investem nas categorias de base não teriam como evitar o aliciamento de futuros craques, gerando em consequência uma queda na qualidade dos jogadores.
Francamente, não sei se o Samuel está certo, mas, correto ou não, trata-se de hipótese que merece investigação mais cuidadosa.
Busca identificar mecanismos que afetam os incentivos dos agentes envolvidos no processo, tanto clubes quanto jogadores (assim como os indefectíveis “empresários”).
Caso se prove correta, traz em si uma sugestão de política que alteraria as instituições (ou regras) sob as quais funciona a atividade futebolística, presumivelmente no sentido de aumentar o retorno dos que investem no desenvolvimento de jogadores, como, aliás, foi feito na Alemanha com enorme sucesso.
É bom que se diga que futebol não é uma questão de vida ou morte (é muito mais do que isto, claro), mas no domínio econômico este tipo de abordagem consegue ter repercussões ainda mais negativas.
A incapacidade de formular um diagnóstico sistêmico acerca das dificuldades do país se encontra por trás do padrão errático de política econômica que predomina no Brasil de 2009 para cá, inépcia que explica muito do fraco desempenho recente do país.
Neste contexto é impossível não se lembrar da frase precisa de Dave Barry: “Quando problemas surgem e as coisas parecem ruins, há sempre alguém que descobre uma solução e está disposto a assumir o comando. Frequentemente trata-se de um maluco”. Pode, Arnaldo?
Fonte: Folha de S.Paulo, 16/07/2014
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