Com Guilherme Gontijo
O leitor talvez já tenha passado por situações como a que vamos descrever abaixo.
Primeiro ato. Três colegas sentados em um bar, prontos para o almoço. Um deles pede um omelete com salada e outro diz à atendente que deseja o mesmo. A atendente não consegue anotar o pedido sem antes se atrapalhar por alguns minutos.
Segundo ato. Um comprador entra em uma livraria e procura um livro mas, ao ver o atendente, resolve poupar seu tempo e pedir-lhe auxílio. Ambos vão ao computador, mas o atendente não consegue digitar o nome do livro nem do autor corretamente.
Terceiro ato. Um funcionário de uma empresa precisa de um novo número de telefone, um ramal, para uma ligação institucional importante. Pede a alguém do setor responsável que encomende o serviço do terceirizado. Este vem, trabalha, diz que está tudo certo e vai embora. O funcionário responsável não testa o ramal e a empresa perde uma grande chance de fechar um interessante negócio.
Três atos, três situações simples que se complicam pelo mesmo motivo: falta de capital humano. Fala-se muito de falta de infraestrutura no Brasil, e muitos pensam que o único capital importante é o capital físico. É verdade que as estradas têm problemas e que o transporte, em geral, não é feito de forma eficiente. Mas o que dizer da mão-de-obra que opera as máquinas e caminhões?
O nosso vizinho do norte, os EUA, tem sérios problemas educacionais. Mas é fato que um adolescente daquele país consegue usar o corretor automático do editor de texto de forma inteligente: como complemento ao seu texto. No Brasil, é comum ouvir alunos que não conseguem se expressar – nem em palavras, nem por escrito – dizerem que não precisam mais estudar a língua portuguesa porque existe um corretor automático em seu computador. Talvez parte de nosso subdesenvolvimento tenha mesmo a ver com a atitude perante o desconhecido: a forma de se utilizar a tecnologia parece refletir um pouco do subdesenvolvimento dos povos.
Uma sociedade possui estoque de capital físico e também de capital humano. Não adianta ter máquinas se ninguém sabe operá-las. Dois países com o mesmo número de trabalhadores e com o mesmo capital físico podem ser bem diferentes se houver uma grande diferença no capital humano relativo. Em um exercício de imaginação, podemos considerar duas empresas idênticas (que operam no mesmo ramo, usam a mesma tecnologia, têm o mesmo número de funcionários etc.) localizadas nos dois países. Seria razoável esperar um produto maior da empresa localizada no país com mão-de-obra mais qualificada pelo simples fato de que na média o seu trabalhador é capaz de desempenhar uma tarefa com mais rapidez do que o trabalhador que faz a mesma tarefa na empresa do outro país – ou, o que é o mesmo, consegue fazer mais tarefas no mesmo período de tempo.
Voltemos aos três primeiros atos. Todos são exemplos de que estamos no limite da capacidade instalada de capital humano. Há escassez de gente educada (no sentido de qualificada, produtiva), o que explica os elevados salários de quem é produtivo no Brasil. Não há capital humano qualificado para se empregar como balconista, atendente ou como um técnico. Sabe-se que o mínimo exigido para se trabalhar em uma livraria, em qualquer país desenvolvido, é que o sujeito saiba ler e escrever, não que nunca tenha sido reprovado em uma escola. Saber ler e escrever, aliás, significa que o sujeito consegue realizar, por assim dizer, sinapses básicas que lhe permitem algum tipo de raciocínio abstrato e uma capacidade de interpretação relativamente sofisticada.
Os três atos nos dizem mais. Dizem que a sociedade está passando por um crescimento econômico significativo: os qualificados já estão empregados e os que mal sabem ler e escrever já arrumam empregos incompatíveis com seu grau de instrução. Sim, é melhor do que ver tanta gente na miséria. Mas se não há a preocupação com a melhoria do capital humano, a estagnação profissional não tardará a surgir. Teremos, por exemplo, recepcionistas de restaurantes de luxo que não sabem escrever corretamente o nome dos clientes. Aliás, isso já existe e um dos autores deste artigo já passou por esse constrangimento (e não falamos de nossos sobrenomes!).
A moral da história é que se fala muito de capital físico como limite à capacidade de crescimento econômico, e pouco sobre o que fazer para garantir o aumento da qualidade do capital humano. Afinal, quem pode pagar por um ensino de melhor qualidade, que lhe dará ganhos reais de produtividade, paga. Quem não pode se vê diante de duas opções: ou paga por um ensino de qualidade ruim e recebe apenas um diploma ou não paga. O final dessa história é fácil de adivinhar.
(Publicado em “OrdemLivre.org“)
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