Para o escritor venezuelano Moisés Naím, o poder está se transformando e o mundo em que vivemos, sendo reconfigurado. É um lugar melhor, com mais oportunidades para aqueles que têm iniciativa, na visão do analista político. Quando olha a América Latina, Naím, que já foi ministro do Desenvolvimento da Venezuela e diretor-executivo do Banco Mundial, vê uma região dividida. Há os países que vão bem, aqueles que estão mal e os que vão mais ou menos.
A principal ameaça, segundo ele, é o continuísmo. Em conversa por telefone, o venezuelano, que lança na semana que vem, em São Paulo, o livro “O fim do poder”, pela editora LeYa, falou também sobre o Brasil e os protestos que se espalharam pelas ruas este ano. O escritor acredita que a demanda da classe média e das pessoas em geral aumenta mais rapidamente do que a capacidade do governo de satisfazê-la.
O Globo- No livro, o senhor fala da transformação do poder. Poderia explicar isso melhor?
Moisés Naím – A mensagem principal do livro é: o poder não é mais o que era. No século XXI, o poder é mais fácil de se obter, mais difícil de se utilizar e mais fácil de se perder. Os poderosos têm cada vez mais limitações ao exercício do poder que, sem dúvida, detêm. O poder está cada vez mais fraco, transitório, efêmero, e, para escrever esse livro, procurei examinar tal processo de degradação a partir do ponto de vista dos seus efeitos não apenas para a pequena minoria que mais tem e que mais manda. Meu interesse é explicar o que significam essas tendências para todos nós.
O Globo- E que mundo é este em que o poder já não é mais o que era, que está em mudança?
Naím – É um mundo melhor, em que os ditadores estão mais inseguros, em que os monopólios não têm garantias de que continuarão sendo monopólios, em que um grupo de jovens pode lançar uma iniciativa e, por meio da internet, mobilizar a sociedade. Um mundo em que se pode montar uma empresa e, em pouco tempo, ter mais sucesso que outras. Em que os grupos excluídos têm mais possibilidade de ter sua voz levada em conta. De maior oportunidade para aqueles que têm iniciativa. É um mundo melhor, em que é mais possível mudar o mundo. A parte negativa é que as decisões se tomam lentamente ou com um mínimo comum denominador para satisfazer a todos. Todo mundo tem o poder para bloquear, ninguém tem para executar.
O Globo- Como o senhor vê a América Latina hoje? O que preocupa?
Naím – Temos uma região dividida. Não há só uma América Latina, mas duas ou três. Há aquela que vai bem; a que vai mal, que é uma catástrofe; e a que vai mais ou menos, que sobe e desce. Chile, Peru, Colômbia e México vão bem. Argentina e Venezuela, mal. Os argentinos nunca perderam a oportunidade de se equivocar. O populismo preocupa, mas, mais ainda, o continuísmo. Na democracia, quando um povo erra e elege um governante errado, há possibilidade de trocá-lo. Mas o que estamos vendo na América Latina — na Venezuela de Chávez e de Maduro; no Equador, de Correa; na Cuba, dos Castro; na Nicarágua, de Ortega; na Argentina, da família Kirchner — é que eles são eleitos, mas depois são feitos truques com o sistema democrático que os ajudam a continuar. A capacidade de corrigir, própria da democracia, é partida por esses governos. No Brasil, estamos vendo também um pouco de continuísmo. O continuísmo é a principal ameaça para a América Latina. Os governos não se vão apesar de serem uma catástrofe. Mudam a Constituição, fazem truques.
O Globo- O Brasil estaria em qual grupo?
Naím – O Brasil estava indo bem; agora, vai mais ou menos. Está entrando numa época que será menos gloriosa, pior do que foram os últimos anos. O vento que estava a favor estará contra. O apetite por matérias-primas e os preços das commodities serão menores. O dinheiro abundante também será menor. O Brasil continua tendo problemas nas áreas de infraestrutura e educação que não foram resolvidos e são muito conhecidos.
O Globo- E quais são os pontos positivos da América Latina?
Naím – Não há dúvida de que houve muito êxito nos últimos anos. A América Latina navegou na crise financeira mundial melhor do que as outras regiões; há um crescimento enorme da classe média, diminuição da pobreza, os bancos estão mais bem regulados. Em alguns países, há um melhor manejo da economia. Em outros, como Venezuela e Argentina, a situação é catastrófica.
O Globo- O Brasil já foi mais bem visto lá fora. Acabou um pouco do encanto?
Naím – A economia brasileira é menos atraente hoje para os investidores estrangeiros do que há cinco anos, não há dúvida. O Brasil atraía muito capital internacional, hoje já não é tanto assim. Porque, primeiro, apareceram concorrentes — há outros lugares mais interessantes onde investir. Segundo, o Custo Brasil é muito alto. E terceiro: há muitas incertezas com respeito à capacidade do governo para administrar bem o país em um cenário internacional menos favorável. Há dúvidas e perguntas sobre como o Brasil vai enfrentar um mundo no qual os preços das commodities e a demanda serão mais baixos, em que o dinheiro não será tão abundante, barato e disponível como tinha sido antes. Como o governo vai lidar com isso? Quais os ajustes que serão feitos e as reações?
O Globo- Este foi um ano de manifestações no Brasil. Muita gente foi às ruas protestar. Como o senhor vê esse fenômeno e os protestos ocorridos em outros países?
Naím – Há diferentes razões para as pessoas irem às ruas. Os motivos pelos quais elas protestam na Espanha, na Itália, na Grécia e nos EUA são diferentes das razões dos que vão às ruas no Brasil, no Chile, na Turquia. Os primeiros são países com altos índices de receita, de renda. Há uma classe média saindo às ruas para defender seu padrão de vida que foi golpeado pela crise financeira. Enquanto que no Brasil, no Chile, na Turquia, na Tailândia, na Indonésia e na China, países de menor receita, há uma classe média que acaba de chegar, que até uma década atrás era pobre e que agora tem capacidade de consumo. E essa classe média sente que os governos não estão dando os serviços de que necessitam. No Chile, protestaram contra o preço e a má qualidade da educação superior. No Brasil, contra o preço dos transportes. Na China, há todo tipo de protesto, todo o tempo, que tem a ver com os serviços públicos e com a conduta do governo. O que está acontecendo é que em todos esses países a expectativa da nova classe média aumenta em velocidade maior do que a capacidade do governo de satisfazê-la. A demanda da classe média, e das pessoas em geral, aumenta mais rapidamente do que a capacidade do governo de satisfazê-la.
Fonte: O Globo
No Comment! Be the first one.