Tratar de gastos com o Judiciário, sem dúvidas, é um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade brasileira, um setor que se comporta dentro de uma sociedade com mais proveitos que os demais indivíduos, criando mecanismos de autodefesa que tornam impossível equiparar os gastos públicos, fomentando privilégios e a falta de percepção de que a lei é para todos. O Brasil se tornou um país onde quem detém mais poder legisla para si mesmo.
“Em partes” o Brasil se modernizou, mas deixou para trás o Judiciário, um setor muito resistente a reformas. Ao longo do tempo, muitos de seus integrantes se tornaram uma casta privilegiada, longe do contexto de respeito a um país democrático. Só prosperaremos como nação quando nós como indivíduos não nos sobrepusermos aos outros indivíduos; as responsabilidades e direitos dentro de uma sociedade têm que servir para todos.
Quando um órgão público decide legislar para si, ele se torna caro, injusto e ineficiente. O setor do Judiciário demanda R$100 bilhões de reais por ano, representa 1,3% do PIB, um gasto desproporcional 10 vezes maior que o da Argentina (0,13% PIB), 6 vezes o gasto do Chile (0,22% PIB) e 4 vezes maior que o da Alemanha (0,32% PIB). A questão é: toda essa bonança fiscal não se converte de maneira produtiva para a população brasileira?
Um Judiciário caro e lento
Existem 80 milhões de processos judiciais no país sem solução. A quantidade de processos judiciais no Brasil para cada mil habitantes é quase cinco vezes superior à de Alemanha, Áustria, Israel e Suécia. Por tamanha complexidade na judicialização, a taxa de congestionamento nos tribunais é superior a 70%, trazendo um retardo de anos para que as ações sejam julgadas. Em média, um processo só para sair da primeira instância demora quase 5 anos. Nesse sentido, com base em estudo feito pela FGV – Fundação Getúlio Vargas, “Estudo da Imagem do Judiciário Brasileiro”, 54% da sociedade acha mal ou muito mal o funcionamento do Judiciário e para 64% dos entrevistados o que mais desmotiva as pessoas a procurarem a justiça é o fato de ela ser muito lenta e burocrática.
Se gastamos tanto com a justiça, é de se esperar que esse valor gasto retorne de maneira produtiva para os cidadãos. Bom, temos o inverso. Segundo um relatório do World Justice Project: Rule of Law Index 2021, o Brasil tem perdido posições no ranking mundial dos melhores sistemas de Justiça Civil. O país passou a ocupar a 75ª posição na classificação entre os 139 países pesquisados – caímos cinco posições comparando o levantamento anterior.
Sobre a possibilidade e facilidade para acessar a Justiça pela população, medindo até pessoas que já conhecem como acessar a justiça e condições de obter assessoria jurídica, ficamos com a 41ª posição.
É assustador o indicador da Justiça Civil comparado à eficiência e à aplicação das decisões judiciais: o país aparece em 116º entre os 139 países. Apresentou índices precários como no quesito celeridade e ausência de atrasos injustificados: 114ª posição. Também estamos deixando a desejar no critério de eficiência, eficácia e ausência de corrupção e mecanismos alternativos de resolução de conflitos: o Brasil apareceu na 78ª colocação.
Países que gastam menos com o Judiciário e têm uma melhor Justiça Civil comparando ao Brasil: Alemanha (3º), Portugal (25º), Espanha (27º), Chile (39º) e Estados Unidos (41º).
Justificativa de nossos magistrados por ter um sistema tão lento
Para alguns magistrados, como o Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, o que torna a Justiça brasileira lenta é a falta de recursos. Uma afirmação não justificada comparando a quantidade de valor gasto de R$80 bilhões e 1,3% do PIB – sem contar a quantidade de mão de obra disponibilizada de pessoal para o setor: são corpo de servidores, assessores, terceirizados, cedidos e afins.
É uma enorme força de trabalho que soma cerca de 412.500 funcionários no Brasil e equivale a 205 deles para cada 100.000 habitantes. Comparando esse indicador, temos uma quantidade de mão de obra mais elevada relativamente a outros países, como se pode observar no gráfico abaixo.
Temos um gargalo com a própria insegurança legislativa brasileira. Só a Constituição de 1988 já recebeu dezenas de emendas. A base da ordem jurídica são as leis e, se as leis são alteradas constantemente, os cidadãos acabam recorrendo demais ao Poder Judiciário em busca da segurança. Só que o Judiciário não tem condições de dar essa segurança, porque muitas vezes, quando acaba o julgamento de uma questão, as leis em que ele se baseou já foram substituídas por outras.
Outro agravante é que 51% dos 95 milhões de processos em andamento no Brasil são ações para recuperação de valores representados por pessoas e empresas nos estados, municípios ou União – processos nomeados como execução fiscal, ações que não tramitam no Judiciário americano e Europeu. Esses processos também congestionam o Judiciário, representando 40% do total de casos pendentes. Resumindo: pessoas, empresas privadas e estatais respondem por uma quantidade obscena de ações judiciais em andamento no país e acumulam na Justiça demandas repetitivas, que poderiam ser solucionadas pelas agências reguladoras ou pela administração pública.
Tributamos demais e somos muito burocráticos. Isso gera uma alta inadimplência. Sem levar em conta o “Custo Brasil” para cumprir todas essas regras, que também causam inadimplência para sociedade.
Um setor resistente a reformas e sedento por gastos
É impressionante ao longo do tempo a sustentação de lobbies para justificar ou burlar o limite de teto salarial. É surreal o poder de pressão que tem nosso judiciário em questões de barganha. Foram criados vários mecanismos para conseguir burlar o limite do teto salarial, como auxílio moradia, dois meses de férias anuais, adicional de férias, auxílios saúde, pré-escolar e verbas indenizatórias.
Recentemente, vimos juízes pressionando o ministro Fux por um reajuste de 5% caso o presidente desse aumento a servidores civis e militares. Falta um pouco de sensibilidade ao gasto público, já que, em média, um membro inicial do ministério público ganha 14 vezes mais que um trabalhador brasileiro; juízes e promotores ganham 23 vezes mais que um cidadão comum. Em países da alta corte da União Europeia, os juízes recebem, em média, 4 vezes a renda dos habitantes locais. Vivemos em um país completamente desconectado da realidade.
De acordo com um estudo feito pela Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, cerca de 71% dos juízes do país ganham todo mês acima do teto. A cada dez salários de magistrados, sete superam o teto de R$ 39,2 mil, segundo o estudo. Nesse sentido, é possível ver casos rotineiros onde juízes chegam a receber R$80 mil em um único mês em 2021; valores pagos como “direitos eventuais” e a folha de mais de 200 magistrados superaram R$ 100 mil por mês.
Ainda tramitam projetos que podem aumentar o gasto do Judiciário, como aumento do número de juízes em tribunais regionais federais. Com as mudanças, a configuração dos TRFs fica assim:
– TRF-1: 43 desembargadores (eram 27)
– TRF-2 (RJ e ES): 35 desembargadores (eram 27)
– TRF-3: 55 desembargadores (eram 43)
– TRF-4 (Região Sul): 39 desembargadores (eram 27)
– TRF-5 (CE, RN, PB, PE e SE): 24 desembargadores (eram 15)
Mesmo sem a reforma administrativa, é possível cortar gastos
Por mais que tenhamos uma redução de R$4,6 milhões, esses efeitos são devidos à sazonalidade pandêmica, efeito que provavelmente não teremos para este ano. A maior queda nos gastos de 38,8% foi registrada na rubrica despesa de capital, que abrange compra e aluguel de veículos, equipamentos e programas de informática, de imóveis e outros permanentes, além de obras e bens móveis. Os desembolsos foram reduzidos por conta do trabalho remoto.
“A mera readequação dos salários à média do funcionalismo e a adoção de uma jornada de trabalho de oito horas teriam um impacto notável sobre o funcionamento da justiça, tanto do ponto de vista das finanças quanto do da eficiência. O retrato do sistema judiciário brasileiro mostra que há espaço para fazer mais com menos. Resta às lideranças tomarem consciência disso, afinal é preciso encontrar soluções para a ineficiência pública que escapem das alternativas que só fazem aumentar o tamanho do Estado e, por consequência, os impostos.”
A PLN 19/21 demonstra a disparidade com o gasto público em nosso país. Para este ano de 2022, temos R$17,8 bilhões de gastos não obrigatórios com o Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União. Apenas com esse PLN é possível reduzir quase R$ 463 milhões de despesas não obrigatórias. É um desrespeito com o dinheiro público.
“Precisamos dar luzes aos custos dos poderes. A Justiça do Trabalho é importante, mas a sociedade está disposta a pagar um custo de R$ 21 bilhões por ano? Até porque a legislação do trabalho tem mudado de forma muito célere. Se o custo do Parlamento e da Justiça é alto, temos que reavaliar e rever”, disse o deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Conclusão
Temos problemas ligados a indicadores de eficiência que não justificam todo esse excesso com o dinheiro público. Um Judiciário que custa uma fortuna comparado a outros países mundo afora, com 54% da sociedade achando mal ou muito mal o funcionamento do serviço prestado e para 64% das pessoas o que mais desmotiva a procurarem a justiça é: a justiça é muito lenta e burocrática. Impossível a funcionalidade de um sistema com esses problemas.
O CNJ deveria atuar com mais rigor ou autonomia. Frequentemente vemos juízes driblando o Congresso, garantindo vantagens e mais bônus pelo CNJ. Há muito pagamento de benefícios pouco relacionados com a produtividade.
“O CNJ como órgão censor e de administração da Justiça para efeito de dar celeridade à atividade jurisdicional praticamente acabou. As associações viraram verdadeiros sindicatos, preocupando-se exclusivamente com o benefício para os magistrados. Elas não se preocupam absolutamente com a imagem dos magistrados, com a eficiência da Justiça. Isso não interessa”, disse Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça.
O país segue com o mesmo problema de sempre, não traz propostas que deram certo em outros países, persistimos em fórmulas precárias e uma falta de governança para avaliar quais sistemas ainda funcionam ou não.
Como disse Ruy Barbosa: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”