Os poderes da República encontram-se impossibilitados de decidir seus assuntos mais prementes, parecem empacados diante de seus problemas. O Supremo Tribunal Federal ainda não encontrou clima político para decidir sobre a abrangência dos poderes do Conselho Nacional de Justiça e ontem, mais uma vez, não abordou o tema complexo da fiscalização do Judiciário.
O Executivo tentou não entrar na discussão da Distribuição dos royalties do petróleo e deixou os estados se digladiarem pelos lucros presentes e futuros do pré-sal, mas está fadado a ter que assumir posição antes que o impasse entre estados produtores e não produtores vá parar no Supremo, provocando prejuízos para todos os envolvidos na disputa.
E o Legislativo, incapaz de se entender sobre os royalties, também não se entende sobre a reforma política, que nunca foi um tema que conseguisse convergências no Congresso.
Pelo menos dois desses temas têm no ex-presidente Lula um partícipe importante, mas ele está evitando envolver-se na questão dos royalties e, na reforma política, tentou e não conseguiu levar a base partidária do governo a um acordo.
O maior sintoma de que mais uma vez ela caminha para o impasse foi sua ausência, alegando cansaço, e de outros líderes importantes na cerimônia do Congresso que marcou seu lançamento na terça-feira.
O adiamento da votação na Comissão Especial da Câmara ontem, a pedido do relator, o petista Henrique Fontana, foi consequência natural da dificuldade de encontrar posição majoritária que se imponha.
O ex-presidente fez diversas reuniões no Instituto Lula, em São Paulo, foi até o Palácio Jaburu para tentar cooptar o PMDB através de acordo com o vice-presidente Michel Temer, mas na hora decisiva não apareceu por estar alegadamente cansado do glorioso périplo europeu. Ele certamente constatou que não há condições políticas para aprovar o projeto que o PT quer, espécie de remendo feito por Fontana para tentar apoio do PMDB: metade dos deputados federais seria escolhida por lista fechada, o sistema de agrado do PT, e a outra metade, pelo “distritão”, o preferido do PMDB.
Os estados seriam transformados em grandes distritos eleitorais, e os representantes, escolhidos pelo voto majoritário, quando os mais votados são eleitos. Para completar, financiamento público de campanha misturado com financiamento privado, tudo fazendo parte de um fundo eleitoral.
Em comentário na CBN, ao me referir a esse sistema de financiamento, cometi ato falho e disse que “os investidores” não saberiam em quem estavam pondo o dinheiro.
Na teoria, são financiadores de campanhas políticas; na prática, “investidores” que apostam seu dinheiro nos candidatos que, adiante, poderão lhes dar ajuda no Congresso. Mas, com esse fundo misto, os “investidores” não saberiam quem estariam financiando, e por isso o PMDB é contra o sistema.
Outro detalhe crucial desse sistema é que o dinheiro seria distribuído conforme o tamanho das bancadas, o que beneficiaria de cara o PT, dono da maior delas, e o PMDB. Além disso, ajudaria a que o equilíbrio de forças continue basicamente o mesmo.
Pelo visto, o projeto está todo prejudicado, pois interessa sobretudo ao PT e tem pouca chance de ser aprovado. Já o ex-presidente Lula continua com sua maneira de fazer política: evitando confrontos mais polêmicos quando estão em jogo seus parceiros políticos.
Na questão dos royalties do petróleo, ele é talvez o principal sujeito da disputa. O que está para ser votado é seu veto à emenda do deputado Ibsen Pinheiro, que distribui os royalties entre os estados com base nos critérios do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, sem levar em conta a situação especial dos estados produtores.
Nunca é demais lembrar que os royalties e as participações especiais foram criados na Constituinte de 1988 para compensar os estados produtores, que, além de não receberem ICMS sobre o produto – petróleo e energia elétrica são taxados no local de consumo, e não na origem -, também têm problemas ambientais e sociais maiores por conta da exploração.
Lula vetou corretamente o projeto, assumindo compromisso com os estados produtores de que eles não seriam prejudicados, mas agora não move uma palha para que seu compromisso seja cumprido pelo governo de sua sucessora. Ele, que em outros temas não tem evitado interferir.
Esse sempre foi o estilo de fazer política de Lula. Enquanto trata os adversários como inimigos que devem ser subjugados, trata os aliados com toda a condescendência, minimizando os “malfeitos” e atendendo a seus pleitos.
Quem está ao seu lado sabe que será beneficiado por benesses e regalias que só o Poder permite. E, para ter base de apoio tão ampla. Lula evita os temas polêmicos.
Passou os oito anos de governo sem fazer reformas estruturais que mexessem com interesses de corporações ou sindicatos e, por isso, deixou sem regulamentação a parte da reforma da Previdência Social que conseguiu aprovar em seu primeiro ano, com o apoio da oposição e contra o PT e os sindicatos dos servidores públicos. Os fundos de previdência que complementariam salários dos servidores nunca saíram do papel.
Quem definiu bem a situação na discussão da reforma política foi um dos caciques do PMDB, o deputado Eduardo Cunha – que não é um santo do meu altar, mas desta vez teve uma boa tirada.
Ao ouvir o relator Henrique Fontana dizer sempre que “Lula acha isso”, ” Lula quer aquilo”, Cunha perguntou: ” Se o Lula passou oito anos no governo e não aprovou nada da reforma política, por que acha agora, que não tem mais a caneta, que pode aprovar o que quer?”
Uma boa pergunta, que pode inclusive indicar uma tendência política.
Fonte: “O Globo”, 07/10/2011
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