Às vésperas da Semana Santa, período de recolhimento espiritual e meditação, ocorre em região tradicionalmente pacífica, delito inacreditável e de inédita malignidade. Mas dele basta lembrar. Realmente desejo comentar o fenômeno em sua generalidade.
Não é de hoje que vem se noticiando o aumento e agravamento da violência. Em outro tempo, um tempo que não é distante, eram raras as casas residenciais que tinham grades e hoje é raro as que não as tenham. Grades em tudo, em moradias de maior aparência e também de médias e até modestas. Quadras inteiras gradeadas.
O cenário é humilhante. Da porta de entrada à janela, no pavimento superior, grades e grades. Não são por adorno, mas por segurança, senão por medo. Isto nas casas de famílias, a revelar a extensão e profundidade do fenômeno. Já não falo no que se passa nas ruas como arrancar a bolsa de uma senhora, outrora inatacável e respeitável, hoje vítima quiçá preferencial. Bater uma carteira? Há especialistas! As vítimas apelam à Polícia! Para quê? A partir daí quadros se sucedem. Pessoas idosas gozam de privilégios e de respeito? Ledo engano! Bem ao contrário. Pessoas que recebem pensões ou proventos em datas certas são alvos preferidos à saída de bancos, são acompanhadas e no momento apropriado depenadas. Manifestações que não acabam em atos de violência, vidraças e vitrinas quebradas, não são manifestações. Queimam carros e ônibus por qualquer motivo ou sem motivo, que seriam asselvajados em qualquer lugar do mundo. A preferência agora é incendiar veículos estacionados, vão se tornando corriqueiros. A quanto sobe a lesão material desses bens? Em muitas dessas depredações a polícia não interfere, assiste. É orientação superior. A degradação dos sentimentos humanos é visível e vai se tornando tolerável mercê da habitualidade.
A própria linguagem vai se deturpando e se adaptando aos novos padrões, mas se não estou em erro, o eufemismo vem da autoridade. Vandalismo passa a ser manifestação social; corrupção, malfeito; invasão, ocupação; mascarado, manifestante; furto, roubo, apropriação; troca de legenda, governabilidade… e assim por diante.
A nova sinonímia espelha a realidade do fenômeno e seu significado real.
Mas ele atravanca, a meu juízo, na violência disseminada; se há professores ásperos, há alunos violentos em relação aos seus professores, que, outrora, eram respeitados, mesmo quando não apreciados. Suponho que o automóvel tenha sua pitada de responsabilidade. O automóvel, quanto melhor, maior a influência em seu motorista. Mas estou me excedendo em coisas fúteis quando o tempo da Páscoa é de paz, de meditação e silêncios. O diabo é que nem os dias pascais se mantêm imunes à poeira da violência que penetra em toda a parte, embora não se sabe donde vem; vem quando menos se espera e donde nem se imagina; vem com a naturalidade do pólen das flores ou do canto dos pássaros, ainda que de outras nascentes e outras destinações.
Fonte: Zero Hora, 21/04/2014
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