Um dentre os 15 projetos escolhidos pelo governo como espécie de compensação para o engavetamento da reforma da Previdência, a lei do cadastro positivo voltou ao debate político e, segundo o deputado Walter Ihoshi (PSD-SP), relator da medida, deve ser levado a plenário da Câmara para votação dos congressistas até o início do mês que vem.
O deputado fala em equacionar “as últimas resistências” em torno do projeto de lei 441/2017, que já foi aprovado no Senado no ano passado e altera uma legislação criada há sete anos, com a promessa de ampliar o acesso ao crédito para consumidores. Se aprovado, o projeto vai direto para sanção presidencial.
A atual lei do cadastro positivo, segundo os seus entusiastas – governo, instituições financeiras e as empresas de birô de crédito (Serasa Experian e SPC Boa Vista) – não afeta o mercado por não exigir a adesão dos consumidores. Já a atualização do texto incluiria automaticamente todos os CPFs no sistema de bons e maus pagadores.
Na prática, a estimativa é de que, se aprovada, a nova regra amplie o número de cidadãos com informações pessoais e histórico bancário abertos para as empresas do setor de crédito. O número saltaria de 5 milhões para 120 milhões.
E é justamente essa a principal queixa dos críticos – entidades de defesa do consumidor e procuradores do Ministério Público Federal (MPF). Segundo eles, a lei viola a privacidade das pessoas, ao permitir o uso indiscriminado de dados pessoais.
Um dos maiores problemas da reforma do cadastro positivo, afirma o advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Zanatta, é que o novo texto não define juridicamente quais dados são essenciais e quais são excessivos para compor a nota de risco de cada consumidor, o chamado score de crédito, na terminologia do setor. Ele tampouco prevê o acesso gratuito, e sem a necessidade de justificativa, às informações que os birôs utilizam para compor e comercializar esse perfil de risco.
O advogado diz que as empresas do setor poderão acessar informações sobre o pagamento de serviços (água, luz, gás, telefonia fixa e móvel), detalhes sobre o valor de aposentadoria e benefícios sociais recebidos, além do local de residência do consumidor e informações sobre o índice de desenvolvimento humano (IDH) da região. “Há um claro desequilíbrio que fere direitos básicos dos consumidores em favor das instituições financeiras”, conclui.
Para o economista do Ibre-FGV Claudio Considera, ex-presidente do conselho da Associação Proteste, o projeto não prevê uma regra que impeça as empresas de crédito de venderem as informações pessoais dos consumidores, como telefone ou e-mail, para terceiros. Com isso, afirma, milhares de pessoas poderão se tornar alvo de produtos ou serviços indesejados.
Já o MPF ressalta que os países que adotaram o cadastro positivo já dispunham de uma lei geral de proteção de dados pessoais. O procurador da República Carlos Bruno, por exemplo, defende a criação de uma autoridade independente “para fiscalizar e monitorar as ações do setor de crédito do País, de forma a minimizar as eventuais vulnerabilidades de segurança que recaem sobre os consumidores”.
Vantagens. O Banco Central, por sua vez, espera que o cadastro positivo acirre a concorrência entre as instituições de crédito, favorecendo a entrada de novos competidores. “Com isso, ficará cada vez mais barato e acessível contrair um empréstimo”, afirma Ricardo Harris, chefe de gabinete da Diretoria de Regulação do BC. A instituição estima em 22 milhões os brasileiros que têm uma nota de crédito baixa devido à insuficiência de informações sobre sua capacidade de pagamento. Chamados de “falsos negativos”, eles são, em sua maioria, bons pagadores que precisam de dinheiro emprestado, têm condições de honrar essa dívida, mas não conseguem comprovar essa condição.
Serasa e Boa Vista SCPC acreditam que o compartilhamento de informações criará um movimento de melhorar a disciplina financeira, uma vez que a informação positiva servirá de álibi para o bom pagador, afirma Vander Nagata, diretor de informações sobre consumidores do Serasa.
Para Pablo Nevirovski, superintendente da Boa Vista SCPC, hoje o bom pagador é penalizado pelo consumidor inadimplente. Além disso, aponta, caso a pessoa queira ser excluída do cadastro, basta pedir para qualquer instituição financeira retirar seu nome, que ele será apagado de todo o sistema.
Para o professor Claudio Felisoni, do programa de varejo (Provar) da FIA, analisado pelo ponto de vista exclusivamente econômico, o cadastro positivo faz sentido. Já pelo direito individual, deve ser ponderado pelo consumidor. “A polêmica se resume em uma questão simples: até que ponto o indivíduo está disposto a abrir suas informações pessoais para ter acesso a um crédito mais barato?”, questiona. “O que o cadastro positivo tem de fazer é dar a chance da pessoa aderir ou não a ele.”
Fonte: “O Estado de S. Paulo”