“Uma pessoa não será provavelmente um bom economista, se ela for apenas isso”.
J. Stuart Mill
Um grupo grande e heterogêneo de economistas acredita que a atual política monetária adotada pelo Banco Central contém o espírito de César. Para eles, a manutenção de juros básicos excessivamente elevados possui um potencial destrutivo sobre a economia brasileira. Remunera “meia dúzia” de detentores de títulos públicos, enquanto asfixia a atividade produtiva do país.
Juros altos estão longe de ser o sonho do profissional de economia. Mas há quem defenda o espírito do Imperador em forma de política monetária. Para tais “advogados do diabo”, os juros são altos no Brasil devido ao histórico de moratórias e irresponsabilidade fiscal, refletidas nas altas expectativas inflacionárias dos agentes econômicos. Assim, uma redução arbitrária dos juros, visando impulsionar o crescimento econômico, faria com que a inflação disparasse.
Para este grupo de economistas não se trata de despreocupação do Banco Central com o crescimento econômico. O que ocorre é que a política monetária é impotente para afetar a taxa de crescimento de longo prazo da economia. Este por sua vez se dá pelo aumento do investimento em capital físico, pelo incremento da quantidade e, principalmente, da qualidade da mão-de-obra, além de aumento de produtividade. Nesse sentido, o papel reservado à política monetária é completamente distinto: cabe a ela suavizar os ciclos econômicos, viabilizando uma expansão maior do PIB potencial.
O grupo que critica a autoridade monetária discorda inteiramente desse paradigma. Para eles, a política monetária é uma ferramenta extremamente potente na promoção do crescimento econômico. Pós-keynesianos, por exemplo, argumentam que a manutenção de juros baixos induz a recomposição de portfólios pelos agentes, de modo que há a transformação de moeda-ativo (que rende juros, remunerando capitalistas) por moeda meio-de-troca (que remunera empresários e trabalhadores), favorecendo assim a atividade produtiva. As explicações sobre os mecanismos de indução do crescimento via política monetária variam de acordo com a escola de pensamento, mas há certa unanimidade na execração dos juros elevados para tais críticos.
Diante de tamanha divergência teórica não é de se espantar que um banqueiro central esteja (quase sempre) sob o julgo da Espada de Dâmocles. Cada intervenção sua nos instrumentos típicos de política monetária é severamente criticado por um número ad infinitum de atentos observadores. No Brasil em especial, mudanças na taxa de juros de curto prazo possuem uma repercussão incrível – como se todo o resto fosse menos importante.
Como deve o banqueiro central lidar com tamanha pressão social e divergência teórica é para mim a questão central. A teoria da política monetária é um dos campos de estudo mais fascinantes da economia justamente por reunir um pouco de ciência e um pouco de arte. Os escritos de Charles Coquelim sobre o que é uma e o que é outra nos dá uma pista sobre qual deve ser o comportamento do central banker:
“A arte consiste numa série de preceitos ou de regras a seguir; a ciência, no conhecimento de certos fenômenos ou de certas relações observadas ou relevadas… A arte aconselha, prescreve, dirige; a ciência observa, expõe, explica”.
Nesse sentido, não se deve prescindir nem de uma, nem de outra na correta administração da política monetária. Uma mera constatação acaciana? Está longe de ser na medida em que uma parte considerável dos economistas ou ignora os avanços recentes da macroeconomia (abdicando, em certa medida, da ciência) ou trata a economia como um fim em si mesma (abdicando da arte). Como muito bem salienta David Colander, “The art of economics requires a knowledge of institutions, of social, political, and historical phenomena, and the ability to use available data in a reasonable way in discussing real-world economic issues”.
Há, portanto, exageros sendo cometidos em ambos os lados do debate. Como bem lembra o ex-ministro Delfim Neto há certa “fixação freudiana” do Banco Central com a modelagem econométrica que orienta o sistema de metas de inflação. Entretanto, no outro lado do front, existe uma total renúncia aos avanços da macroeconomia desde a estagflação (estagnação da economia com inflação) dos anos 70. Como se vê parece que o “desprezo pelo pluralismo” está presente nos dois lados.
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