Instituições e prêmio de risco
A História registra que a ascensão das condições de vida da humanidade ocorreu depois que as ideias políticas e econômicas dos ingleses se disseminaram pelo mundo ocidental a partir do Século XVII, sobretudo com a Revolução Industrial, da segunda metade do século XVIII em diante. Os estados que seguiram essas ideias se distanciaram dos demais em termos de nível de renda e Índice de Desenvolvimento Humano.
Segundo Acemoglu e Robinson, em Why nations fail, foram as instituições políticas e economicamente inclusivas que fizeram a diferença entre os povos e os estados, desde a Antiguidade. O exemplo de símbolo atual é a cidade de Nogales, na fronteira dos Estados Unidos da América com o México. A parte organizada sob as leis e sistema econômico americanos, com renda per capita de 30 mil dólares, à época (2010/2011), e com as crianças nas escolas e a parte mexicana com 10 mil dólares, desorganizada e com crianças sem escola.
O fato é que as desigualdades sociais diminuíram devido à inclusão de enorme segmento populacional no sistema de produção e de distribuição de bens e serviços e ao crescimento do PIB a taxas geométricas. Isto a partir do final do século XVIII nos estados organizados com regime de economia capitalista.
Nos tempos atuais, os mercados de títulos soberanos distinguem desenvolvidos e emergentes pelo prêmio de risco. Assim, a taxa de juros dos títulos públicos dos países emergentes é expressa pela taxa dos T-bond10 (título do tesouro americano de 10 anos) acrescida de um percentual que o país paga aos adquirentes de seus títulos. Esse prêmio expressa as condições econômicas e a estabilidade das instituições do país emissor do título.
Política Monetária
Mais contemporaneamente, a Política Monetária tornou-se instrumento importante para manter a estabilidade dos preços e permitir uma alocação eficiente dos recursos na economia e, a partir da experiência exitosa de Paul Vocker no combate à inflação norteamericana em 1979/1980, com a subida dos juros do overnight, se desenvolveu, na academia, o sistema Inflation Target, mediante a definição periódica de metas de inflação. Evoluiu, também, a separação entre as atividades dos bancos centrais e dos tesouros nacionais.
Aos bancos centrais “independentes” coube a função de combater a inflação, “único objetivo” de sua missão nessa área, e com “instrumento único”, a taxa de juros aplicada às reservas bancárias.
A Nova Zelândia foi o primeiro país a adotar o Sistema de Metas, em 1989. O Brasil o instituiu, por Decreto Presidencial, em junho de 1999. Em fevereiro deste ano, houve uma mudança no objetivo do Sistema de Metas, ao explicitar, no Art 1º da Lei Complementar (LC) nº 179: “O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental a estabilidade dos preços”, e, no Parágrafo Único, os objetivos adicionais: “…suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.
Observe-se que, constam das atas do Copom (Comitê de Política Monetária que define a taxa Selic) referências à atividade econômica, hiato do produto e desemprego, sinalizando objetivos de médio e longo prazos daquele Comitê. Portanto, a LC 179 traz a novidade de explicitar esses objetivos de PIB e Emprego mesmo que com linguagem imprecisa. Este fato sugere questionar se o BC deve continuar com um único instrumento de política para atingir vários objetivos, recém transformados em Lei, ou deve buscar alternativas.
Fato é que, nos Estados Unidos, o objetivo é duplo – estabilidade de preços e crescimento econômico – e que nos países ricos, os BC’s atuam intensamente, a partir da crise de 2008/2009, nos mercados de títulos imobiliários, atuação que se denominou de Quantitative Easing (QE). Quer dizer, um recurso, além da tradicional definição da meta do overnight. O resultado, até agora, tem sido a manutenção de taxas de juros baixas, de médio e longo prazos, e a redução do custo de suas dívidas públicas (as dívidas aumentaram, mas os juros das dívidas caíram). Com isso, em tese, os países ricos têm melhores condições de crescimento econômico pós crises financeiras e pós pandemias.
A receptividade do mercado de títulos a esse ativismo dos bancos centrais dos países ricos tem levado analistas a afirmar que os ricos têm a prerrogativa de emitir moeda para financiar gastos públicos nas crises (o QE equivale a uma expansão monetária) e os emergentes não. Provavelmente, a credibilidade nas instituições, argumento deste texto, é fator relevante para essa clivagem.
Brasil, breve história e contexto atual
Com espectro de análise mais amplo do que o do economista, estudiosos da área político-social se debruçaram sobre a saga brasileira. Identificaram muitos vícios nos primeiros séculos, como o corporativismo, o cartorialismo e a escravidão. E, da Velha República em diante, além da tradicional manutenção de privilégios para as elites áulicas, a história foi pontuada de arruaças intermitentes e regimes autoritários.
Destaque maior das mazelas brasileiras, a negligência com aspecto fundamental da formação de uma nação e de uma economia dinâmica, a negligência com o capital humano. As estatísticas precárias não permitem uma análise mais abrangente, mas um item, a educação diz tudo. No início do século XX, os números eram terríveis: 80% da população brasileira era analfabeta, enquanto nos Estados Unidos esse percentual era 20%.
Na política predominou, no império e na república, a mentalidade socialista autoritária, com a contribuição de setores da Igreja Católica inspirados na encíclica Rerum Novarum de Leão XV. Pouco iluminismo e nada de liberalismo.
O cientista político José Murilo de Carvalho assim se expressou, em 2012, em seu livro Cidadania no Brasil – o longo caminho:
Os progressos feitos são inegáveis, mas foram lentos e não escondem o longo caminho que ainda falta percorrer.
Pois bem, esse quadro da evolução brasileira demonstra que o Brasil é um país de institucionalização lenta e, possivelmente, não plenamente consolidada. Há nítida evolução nos anos mais recentes, pós CF de 1988, mas persistem senões.
Por um lado, a divisão dos poderes e a consolidação do Ministério Público com a Constituição de 1988, a organização da economia a partir do Plano Real de 1994 (Regime de Metas da Inflação, Responsabilidade Fiscal e Câmbio Livre), a criação de agências reguladoras pós-privatização, expressam, formalmente, o padrão do primeiro mundo.
Por outro lado, a conduta dos agentes públicos discrepa das regras de suas funções técnicas, jurídicas e políticas. A Lei de Responsabilidade Fiscal é burlada para fins eleitoreiros, as agências reguladoras estão aparelhadas, o STF extrapola de suas funções.
Logo, não bastam leis e instalações físicas. É preciso a conduta escorreita dos agentes públicos, de acordo com suas responsabilidades e interesse público.
Conclusão
Neste texto, argumento que o prêmio de risco dos títulos soberanos expressa, entre outras variáveis, a confiança nas instituições (menor a confiança, maior o prêmio; maior a confiança, menor o prêmio). Assim, o aumento do prêmio de risco atual se deve à piora do cenário, nas perspectivas dos investidores, quer por motivos econômicos (risco fiscal), quer por motivos de instabilidade institucional.
É fundamental que a classe política assimile que a responsabilidade fiscal é um ativo precioso porque com ele as adversidades são enfrentadas com mais condições. Não fossem anos seguidos de irresponsabilidade fiscal, o Brasil teria enfrentado a pandemia em melhores condições. As despesas correspondentes não constarem do teto resolvem apenas um problema legal, pois constituem déficits que se somam à dívida, que aumentam a relação Dívida/PIB.
Portanto, é fundamental uma reforma do Estado Brasileiro, para que os órgãos técnicos sejam técnicos, os jurídicos se conduzam pela Lei. Enfim, que funcionem em prol do bem público, e não do partido político do agente público.
E, para que o Risco Brasil caia e a atuação do BC, no cumprimento de suas metas, consoante a LC 129, seja eficaz, é preciso que as reformas sejam efetivas para, efetivamente, mudar o quadro atual.
Por sua vez, o próprio Sistema de Metas precisa ser revisitado, pois, em linguagem precisa, a LC 129 estabelece dois objetivos para a Política Monetária: Estabilização dos Preços e Crescimento do PIB, ao contrário do Decreto-Lei de junho de 1994 que estabeleceu um objetivo e um instrumento.
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