As democracias contemporâneas são caracterizadas por governos que não governam, anêmicos parlamentos ineficientes e um sistema judicial atolado na morosidade crônica. A realidade está posta e desnuda aos olhos de todos. A flagrante desconexão da política com a lógica da vida dificulta a viabilidade do diálogo democrático como via eficaz da pacificação social. Não à toa, os extremos se exaltam, a razão cede e as instituições decaem.
O fato é que o equilíbrio político contemporâneo é absolutamente instável. Os impulsos sociais latentes – enraizados em um profundo e angustiante senso de descontentamento coletivo – são capazes de transformar faíscas em chamas num simples relance de olhar. Em tempos nervosos, erráticos e impulsivos, há que se ter cautela, cálculo e ponderação máxima, pois um mínimo movimento impensado pode ser o gatilho da irracionalidade radical.
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Nesse contexto delicado, o exercício da liderança pública configura uma das mais difíceis atividades da contemporaneidade. A atual sociedade vigiada agrava os desafios da função: mais do que olhos, existem câmeras por toda parte, registrando em cores, alto e bom som, as palavras ditas e os semblantes feitos. Privacidade é hoje um artigo de luxo. E não adianta se indignar com a exposição multimídia; a evolução tecnológica nos trouxe até aqui e, gostemos ou não, veio para ficar.
O pulo do gato está, justamente, em saber navegar neste novo mundo, potencializando suas virtudes exponenciais e, paralelamente, minorando seus defeitos catastróficos. Para tanto, o recurso da boa retórica política retoma sua essencialidade prática, pois sem clareza expressiva e tato emocional é impossível tocar o coração das pessoas. Naturalmente, a linguagem do presente repudia as monótonas erudições do ontem; aqueles discursos longos e exaustivos são completamente incompatíveis com a velocidade da vida moderna; além do impacto emocional, a palavra política deve ser um chamado de engajamento público e um comando de esperança no futuro.
Ora, quando vai a campo, o povo quer ver gol, vibrar com jogadas espetaculares, admirar e bater palmas àqueles que honram a camiseta. Mas não basta apenas jogar bem; há que se ter “fair play”, pois a corrupção – seja ela qual for – é algo deplorável, humilhante e decadente. Então, o esquema tático está pronto, mas será que os jogadores entenderam alguma coisa? E que já esteve no vestiário bem sabe: o ruim é sempre o primeiro a calçar as chuteiras…
Fonte: “Jornal do Comércio”, 12/03/2020