Governos, ou melhor, políticos nos governos, adoram se mostrar prestativos, atentos em relação aos desejos dos eleitores, extremamente cuidadosos com a segurança e o patrimônio dos cidadãos, ciosos na criação de empregos, na distribuição de renda, enfim, em oferecer o que todos prometem: estímulos ao crescimento e promoção do desenvolvimento social, ao que alguns acrescentam, com motivação essencialmente demagógica, “com preservação da soberania nacional”. Ainda está para nascer o político que vai proclamar: “vamos internacionalizar o país, abri-lo à globalização, acolher de braços abertos o capital estrangeiro”, mais passons…
Todas essas boas promessas exigem, obviamente, um estado atuante; no limite, um estado interventor no campo econômico e regulador da ação dos agentes privados; ou, na hipótese mais benigna, apenas indutor e promotor de condições favoráveis ao crescimento pela via do investimento particular e da acumulação de riqueza pela própria sociedade. A maior parte dos governos fica no meio do caminho entre essas duas opções: nem cuidam eles mesmos da produção e da oferta de bens e serviços, que podem ser fornecidos em melhores condições pelo setor privado, nem se abstem de intervir naquilo que consideram necessário, segundo as concepções dos próprios políticos ou dos altos burocratas do governo, e alegadamente para atender às demandas dos cidadãos (que calham de ser eleitores também).
Talvez para desespero dos extremadamente liberais, ou daquela tribo especial de libertários conhecidos como anarco-capitalistas, vou defender a tese de que políticas ativas por parte do estado são, sim, necessárias – aliás, mais do que necessárias, elas são inevitáveis, num sentido de fatalidade – em sociedades como as nossas, hiperburocratizadas e complexas demais para que o exército de políticos que nos governam e o enxame de tecnocratas que os servem deixem de propor medidas geniais para melhorar a nossa vida e, supostamente, para resolver os problemas existentes (em grande medida, criados por medidas adotadas anteriormente).
Em estados normalmente organizados, funcionando de maneira transparente e atendendo às regras básicas da democracia, essas políticas públicas geralmente funcionam, embora nem sempre produzam os resultados desejados ou esperados, posto que os agentes privados, farejando o que vem pela frente, exibem essa incrível tendência a se antecipar a efeitos considerados inevitáveis (em seu detrimento, claro) dessas mesmas políticas. A justificativa é a de que as políticas aumentam a eficiência do sistema econômico, produzem bem-estar e reduzem externalidades negativas.
Que seja! Mas o custo para a sociedade sempre é muito alto, posto que, sem produzir um só centavo de riqueza, os governos simplesmente retiram da sociedade os recursos de que necessitam para implementar essas políticas, com um pedágio – ou seja, o custo da intermediação burocrática – que pode variar entre 10% (nos estados mais enxutos) e mais de 25% dos valores envolvidos naqueles países mais desorganizados (como alguns perto de nós). Sempre é assim, esperando-se apenas que o estado não gaste muito consigo mesmo e utilize os recursos, justamente, para fins de investimentos, que ou são projetos básicos – geralmente infra-estrutura – ou são políticas setoriais, as tais políticas ativas que recebem a aprovação de nove entre dez políticos profissionais e de dez entre dez burocratas estatais.
Se esta é uma realidade dos estados modernos, como fazer a diferença entre as políticas absolutamente necessárias – as que justificariam a extorsão tributária contra o nosso bolso – e aquelas que poderiam ser deixadas à autorregulação da sociedade? Até mesmo um liberal clássico como Adam Smith reconhecia funções governativas que deveriam ser suportadas pela coletividade por meio de impostos: geralmente em defesa, justiça, determinadas obras de infra-estrutura (portos, estradas) e algumas poucas mais. Em sua época, os governos pouco se ocupavam da saúde e da educação da população, temas que eram deixados aos cuidados das próprias famílias; como tampouco existiam seguros previdenciários, esquemas para o desemprego e acidentes de trabalho, exigências que foram crescendo com a urbanização e a construção da cidadania, ou seja, a incorporação de estratos menos privilegiados nas esferas de decisão e de representação política.
Atualmente os estados ostentam políticas públicas para todo e cada um dos setores da vida moderna que é possível imaginar, não sendo rara a pretensão de cuidar do cidadão do berço à cova, como se diz dos estados nórdicos. Mas não apenas neles, posto que mesmo em estados menos desenvolvidos, como no Brasil, existe essa idéia de que o estado precisa “prover” os menos contemplados com todos os serviços de que venha a necessitar: nascem, assim, os programas habitacionais, de primeiro emprego, de apoio à cultura, de inclusão digital, auxílio maternidade, auxílio funeral e, obviamente, as transferências diretas de dinheiro para os mais necessitados. Essas políticas de renda não são, ao contrário do que se acredita, as mais custosas de todas, embora envolvam considerável burocracia e se prestem a doses inevitáveis de fraudes e malversações. As mais custosas costumam ser as políticas setoriais que contemplam as duas grandes áreas de atividade econômica: políticas industriais e agrícolas.
É uma fatalidade de nossos sistemas pretensamente democráticos – em grande medida plutocráticos ou oligárquicos – que os setores mais privilegiados da sociedade lutem e ganhem as ‘suas’ políticas setoriais: empréstimos subsidiados para capitalistas e empreendedores “merecedores”; subvenções à produção e à comercialização de produtos do setor primário – especialmente custoso nos países mais ricos; isenções diversas para setores considerados “estratégicos”, o que nada mais representa do que dar dinheiro a quem já é rico. As justificativas, como sempre, são as usuais: é preciso garantir a “segurança alimentar”, não se pode “desindustrializar” o país e se deve, absolutamente, “investir” nas tecnologias que vão garantir o “futuro” da economia. Também em outras áreas o dinheiro público escorre pelo ralo: universitários costumam ter lobbies mais eficientes na capital do que estudantes do primário, daí a concentração de recursos na mesma elite que depois vai galgar os postos de melhores salários na administração pública, e se aposentar com 100% da renda da ativa.
Em síntese, políticas ativas funcionam sim, apenas não se pode ter certeza de que o dinheiro nelas “investido” não teria sido mais bem empregado se fosse deixado com os próprios particulares para que estes operem as suas escolhas de bens e serviços de que necessitam dispor ao longo da vida, inclusive para a aposentadoria. O estado benfeitor está se convertendo num grande baby-sitter que cuida carinhosamente dos seus filhos; deve-se registrar, apenas, que a taxa de serviço retira cada vez mais renda dos bolsos dos próprios interessados. Pode-se não gostar da perspectiva, mas este é o nosso horizonte de vida. Estarei sendo muito pessimista?
(Publicado em OrdemLivre.org)
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